26 de dez. de 2009

Doença

"Ai, não"
Eu pensei nisso certamente por instinto quando os vi trocando olhares.
Eu afirmei o perigo que corria dentro de mim quando permiti que eles trocassem olhares.
Doença, ele me disse depois. Ela é doença.
A doença da vida dele ou da minha? Ou vida seria exagero? Doença da alma que eu acredito que continua após a vida...
O tempo me ensinou a agarrar as coisas que eu queria pra mim pra sempre. Ele é uma das coisas que eu quis chamar de amor. Amor daqueles que eu sabia cuidar bem pra não faltar. Deixei-me ser sua, sua de tudo. Ele me deixou pela Doença.

A Doença e ele foram felizes por um bom tempo. Acho que quando alguém que procura tanto a cura de si como ele se enfeitiça com esses apelos.
Sempre o fascinou tentar entendê-la, descobrí-la e medir forças, o principal.
Quando ele estava prestes a encontrar a cura, a Doença o levava de volta aos soluços, palpitações e tremores de madrugada.
Logo se foi a paz de caminhar na rua sem medo de ser apanhado por ela e o simples pensar o trazia de volta ao momento de relaxamento que precede uma queda de pressão.
Doença o ensinou a ter alguns medos que não tinha antes por nunca ter andado em terreno tão movediço. De certa forma, ela até o fez crescer.
Ele veio diferente depois dela, mais maduro, mais seguro e mais satisfeito com a vida.
O aceitei pois ele jurou nunca mais tocar no nome dela (até porque não somos mais amigas há tempos) e também porque ainda o quero pra mim. Vivemos assim, varrendo pra lá o passado. Ele vai e volta pra mim, cada dia com mais certeza de que quer voltar. Exceto aqueles dias em que o pego com olhar distraído. Sei que ele pensa nela, mesmo sem precisar.

6 de nov. de 2009

She speaks english

Pequena matiz de vermelho que fala
Quando quer ser, apreende o ambiente.
Apartada vibra, desdobra pra fora
Fala o que flui de ser, o que der de sentir.
Eu vi aquela parte de mim
Ela canta, marcha, grita
Fala
Inglês.

13 de out. de 2009

O guri

Eu vi um guri outro dia no meio da rua querendo grana pra comprar um milho verde. Com doze anos e a pele morena, olhos mais vivos que eu na idade dele. Eu vi o guri e lembrei de alguma coisa. Quis comprar o milho e talvez uma vida nova, mas ele não queria. Ele queria voltar pro pedaço de chão que ele ganhou no viaduto.
Sentei ali no pedaço de chão e chorei, chorei. O guri nem olhou pra mim. Foi pedir o milho pra outra pessoa. Eu nem notei que ele não era mais guri, era mais um. Era mais um jogado aí. Com o lábio craquelado e a fala ensaiada pra pedir. Nem adiantou eu chorar sentada ali. Nem dinheiro nem nada. Os olhinhos que eu vi, quis guardar na minha mente, peguei aquela pequena semente e dei um abraço antes de ir.

De manhã

Uma hora para conseguir o retirar o carro. Cheiro de café. Nó no intestino de manhã. Saí pra comprar quatro pães e um requeijão.
O menino não quis escovar os dentes. Trabalhos inacabados, dinheiro quase no fim. Dois Reais pela meia hora na casa de internet. Rodízio. Café. Homem lançando frases indecorosas para uma moça assanhada. Constrangida, eu. A moça parece que gosta. Que mulher não gosta? Eu. Avenida Dom Pedro parada em frente ao fórum. Vista do parque bonita de manhã. Gente correndo por correr, nem por precisar. Batom no espelho do carro. Lixo. Na rua, na avenida, no canteiro, no carro. Hoje vai fazer 25 graus. Ontem fez 24, amanhã talvez 26 se isso for uma progressão. Funk nos carros de manhã não entendo.

13 de set. de 2009

Roupa velha

No fundo do armário
Em baixo daquelas caixas
Um embrulho envelhecido e perfurado pelas traças
Está seguro ali mantido
Em nome de alguma precisão
A previdência não é cara
Tampouco a preocupação
Viro os olhos pra lembrar
Quando foi a última vez
Que despi o meu orgulho pra provar a insensatez
Que lembrei que o medo é maior que o número trinta e seis
Que a coragem embrulhada já tem cheiro de bolor
Já não respira abafada
Não mais reage apertada
Nem tem cara de desafio
Está ali pra nada, parada
Comida, fedida e entulhada.
No dia em que for vestí-la
Será lavada, passada e tingida
Talvez preta ou colorida
Será usada e pendurada
Junto das outras roupas da vida.

5 de set. de 2009

A roda

Amarraram o homem de um jeito a deixar suas pernas livres e as mãos atadas uma a outra atrás das costas, unidas a uma outra corda que era presa no pescoço.
Jamais em sua vida ele olhou as coisas daquele jeito. O jeito que um aleijado pode enxergar sua situação do pior ângulo. E o medo de não sair daquela condição.
Era escuro, os outros o prenderam a uma roda de madeira movida à tração animal e o fizeram andar e andar a noite toda. Nem lhe importou não saber porque o faziam andar, mas como não andar mais.
O dia foi surgindo entre as frestas do galpão. A cela tomava contornos tristes. O chão de pedras gastas, os montes de feno espalhados, os ratos, o teto que ameaçava desabar a qualquer tempo. Seus pés cederam ao cansaço, sentou-se.
Logo chegou o algoz e lhe ameaçou castigo. O homem levantou-se e recomeçou a caminhar no chão que caminhara a noite toda, fez-se uma pausa pra se alimentar e continuou ali a girar, decorando cada canto do local. As foices, ancinhos e pás jogadas, a carroça quebrada e os ratos roendo os restos do almoço. Vontade de fugir, ódio. Era o tratamento dado aos bois que comiam e andavam, comiam e andavam. O que queriam dele?
Dias incontáveis se passaram até que o homem desistiu de pensar, de se revoltar, de olhar para os lados. O carrasco vinha e cumpria as ameaças. Depois de 68 voltas, vinha o almoço. Depois de 231 voltas, o jantar. Seus pés náo desejavam mais fugir. Suas mãos atadas dormiam. O homem era um boi.
O carrasco pensou em abatê-lo e dá-lo aos porcos, dividiu a idéia com o homem.
O homem apenas disse: corte meus pés.
Na liberdade lúcida de hoje, o homem ainda roda numa cadeira.

8 de ago. de 2009

O mímico

Alguns dias me faço esquecer no meio da multidão sem rosto que caminha na calçada, cada um a seu ritmo e destino.
Arrastando-me pelas escadas no metrô, coloco meu bilhete de ida e volta para retirá-lo do outro lado do jeito mais automático possível. A plataforma acumula gente de toda sorte. Mochilas, pastas, bolsas enormes ornam os corpos daquela gente cansada.
Olho pra trás e vejo uma figura curiosa. Um rapaz que pateticamente imita meus gestos teatralmente e com um riso bobo no rosto.
-Ele não deve ter o que fazer - penso na hora. Passei a observá-lo melhor. Pensei até que ele era meu espelho, com aquela cara patética e infeliz. Mas por que raios isso é comigo?
Os outros na plataforma me olham e riem da minha irritação. Então aquele fulano desocupado e pseudo-artista tinha pago uma passagem só pra me imitar? Vá lá estivesse em Paris, onde isso é normal e até faz alguns turistas sorrirem.
Chega o trem, embarco no segundo vagão e continuo sendo seguida pelo homem que se senta ao meu lado e cruza as pernas do mesmo jeito que eu, que tenho mania de sentar em forma de vírgula. Como ele consegue?
Só dá pra rir mesmo. Rio porque eu não penso em dar um centavo pra esse desgraçado.
Os passageiros também riem, acho que é do meu desconforto e irritação. Pego o celular da bolsa. Lógico que não pega celular no trem, peguei mesmo pra ver o horário e pra tentar esquecer o palhaço que obviamente estava me assediando.
Coloco o mp3 e tento ouvir a mesma seleção do dia. O homem finge que está ouvindo música e sai dançando pelo vagão. Quis jogá-lo pra fora do trem em movimento.
Chega a minha estação. O homem sai atrás de mim tentando ser minha sombra, ainda com aquela cara de bobo alegre e desocupado.
Tirei meu mp3 e resolvi encarar os fatos. Virei para ele e perguntei por que eu?. Ele deu de ombros e fez aquela cara imbecil. Perguntei se ele era mudo, retardado ou gringo e ele assinalou que não e me deu um cartãozinho escrito: EU GOSTEI DE VOCÊ.

25 de jul. de 2009

Fragmento do dia de hoje

Morte é no tom certo, balbucio.
Não contenho as vírgulas e pausas. Assim, corro flutuante como um pedaço de madeira neste mar de drama.
Dentro e fora, sou nada.
E o tudo é tão vazio que posso gritá-lo e ouvir seus ecos dez anos depois.
Assim, manchas nas mãos ou dobras nos cantos dos olhos vão contando pro lado de fora sobre mim pra quem vier.
Não importa.
Parece que nasci ontem.

4 de jul. de 2009

Grávida

A gravidez. Depois, a fila de carrinhos lotados esperando passar um por um dos produtos no leitor de códigos de barras para somar na conta de cada um.
O turno já começou com uma confusão entre dois travestis que compravam absorvente interno e lâminas de barbear. Eu dei risada quando um deles disse que o outro não era mulher o suficiente pra bater nele. Eu não sei, eu não consigo chamar travestis de "ela", falando sério.
A gravidez. Cinco meses hoje. Senti o pequeno mexer, achei que eram gases. Depois lembrei que tinha algo dentro de mim.
A barriga está começando a me afastar da registradora e eu tenho que esticar mais os braços pra poder registrar. Os clientes perguntam (os que me olham) se estou grávida. Alguns ainda não falam nada porque a barriga não cresceu o suficiente pra deixar de parecer excesso de cerveja. Ah, a cerveja...Sinto uma falta enorme dela. Sinto falta de tomar porres também e chegar em casa doidona de pinga depois de cantar todas no videokê. Era legal isso. E agora com certeza pega mal mesmo levar criança pro boteco. Eu mesma critiquei a Shirlei por levar a Daiana com 8 meses pros botecos cheios de bêbados. A Shirlei continuou enchendo a cara e dando de mamar com o copo de cerveja na mão. Que coisa feia isso.
Eu acho que quando isso passar eu não vou mais sentir vontade de sair. Vou ficar quietinha em casa e um dia um cliente daqui vai me ver (sem barriga) e vamos começar um namoro legal, decente, de família. Talvez.
Mais um, passou o cartão. Não autorizou, chegou a supervisora patinando. Vou tentar patinar grávida. Eu achava legal patinar no Golden Shopping quando tinha patins, depois eu vendi o meu pra ajudar meu pai a comprar um videogame. Acho que o bebê pode se machucar. Passou agora.
O bebê mexeu enquanto passava o condicionador na leitora, quase dez reais esse condicionador. Quase dá pra comprar mais um pacote de fraldas...Fraldas, é só no que penso. Como se troca uma fralda? Eu tenho medo de fazer errado. Disseram pra eu ficar tranquila. Eu não estou tranquila. Estou com fome.
Guardei meu Clube Social embaixo das sacolinhas pra patinadora não ver que eu preciso comer de cinco em cinco minutos ou o bebê vai começar dar chutinhos com sua microperna nos meus órgãos internos. Eu estou passando comida por essa esteira o dia inteiro e tenho vontade de rasgar essas embalagens e comer tudo na frente do cliente mas não dá, claro. No curso de treinamento eles disseram pra gente pensar em cada item como somente um objeto e não algo que você queira ou precise, mas ninguém precisava me dizer que isso é bem torturante. Eu tenho um brioche brilhando com seu creminho na minha frente e embaixo das sacolinhas aquela bolachinha sem vergonha que eu tenho que esconder de todo mundo. Senti um microchute.
Faltam ainda dois carrinhos, com certeza aquela senhorinha ali vai perguntar de quantos meses eu estou e eu vou ter que sorrir pra ela. Tem cinco coisas no carrinho, por que pegou não pegou o caixa rápido? Com certeza ela pensou: "melhor aquele ali da moça grávida".
Pelo menos eu sou registrada, tenho licença maternidade e vou poder aprender a cuidar do nenê enquanto não volto pra cá. Também posso fazer meus exames pelo plano de saúde e os estoquistas pararam de me paquerar. Já estava ficando chato mas até que sinto falta.
Eu acho que não sinto falta de nada, acho que isso tinha que acontecer pra eu tomar juízo e acordar pra vida. Nada é por acaso. Eu precisava mesmo largar as noitadas e parar de torrar meu salário com pinga.
Sempre quis ser mãe, estou realizada. Mal posso esperar pra ver a carinha do menino quando ele nascer. Meu menino. Hoje vou ver roupinhas pra ele e assistir tevê tomando um chá bem quentinho. Vou curtir minha barriguinha. Não vou ligar de volta para a Shirlei. Com certeza ela vai me chamar pra ir no forró e dizer pra eu pôr blusa larga que ainda não aparece nada. Mas ela não liga de deixar a Daiane com a sogra louca dela, eu ligo. Ela diz que eu tenho que aproveitar enquanto ainda dá. Eu não acho que tenho que ir lá. Vou ver um monte de caras que eu já paquerei, já saí. É bem estranho isso. É bem estranho também o pessoal do trabalho me perguntar de quem é o bebê mesmo sabendo de quem é. Eu finjo que não é comigo mas fico com raiva. Na verdade a raiva é da fofoca, sabe. Detesto a fofoca.
É, vou ficar em casa e tentar fazer tricô de novo. É sábado, só tem doido na rua, tô fora.

15 de jun. de 2009

Juca

Camaleão é o cara que muda de cor pra escapar do predador.
Juca era o camaleão.

Ele não brincava em serviço, estava sempre prestando atenção. Na hora H ele punha sua cara de triste, sofrido, de alegre, divertido e descontraído. Mas não aquilo que era dentro, dentro era o ego espremido querendo saltar de satisfação.

Juca pegava mais um e outro. Ganhava dinheiro com a sua concentração.
Gostava de Jazz e de Bossa conforme fosse a situação.

Tinha livros de tudo que era coisa e discos de coisa que ninguém tinha. A moda mudava Juca e Juca vestia outra cara, conforme a estação.
Não era triste, nem alegre, nem era nada. Era o que pedia a ocasião.

Mas em casa o Juca às vezes chorava de solidão. Eram tantos sentimentos e nada de coração.
"Nada importa senão o dia" era o que dizia a terapia, mas no fundo, o Juca sabia de onde vinha a agonia.
Vinha do vazio de querer ser só.

13 de jun. de 2009

E se

E se você pusesse mais mel na sua banana amassada?
E se eu não te cortasse toda vez que começa um raciocínio?
E se você ouvisse o que eu tenho a dizer e não se preocupasse em terminar de falar?
E seu eu terminasse as coisas que eu começo?
E se você não gastasse tanto dinheiro com bobagens?
E se eu arrumasse um emprego?
E se nossos filhos não fossem tão difíceis?
E se eu ficasse um tempo longe de você?
E se você não aguentasse e me ligasse um dia só pra falar oi?
E se eu não fosse tão teimosa?
E se você não fosse tão teimoso?
E se você comprasse um colchão novo?
E se eu arrumasse o meu armário?
E se a gente tivesse uma história?
E se eu não ficasse só com o "eu gosto de você"?
E se a você tivesse a vida arrumada?
E se eu fosse famosa?
E se você fosse famoso?
E se tivéssemos um cão?
E se tivéssemos uma churrasqueira?
E se tivéssemos paciência?
E se não tivéssemos preguiça?
E se fossemos viajar?
E se você me dissesse o que quer ver?
E se você não quiser ver mais nada?
E se eu não gostar do que eu quero ver?
E se...um dia eu me despedir de você?
E se nesse dia a gente não chorar?
Eu não sei. Você sabe?

21 de mai. de 2009

Bons tempos

-Mulher é bonita enquanto é mulher, pode ter certeza. Eu vou trabalhar e só vejo a aquele bando de moças de paletozinho ; algumas até de gravatinha andando com aqueles sapatos de salto fazendo "tec tec tec" e a cabeça pra cima sem olhar pra nada.

-Você queria o quê, Chico? É um mundo dos homens, não é? Você queria que elas usassem aqueles vestidos compridos que arrastam no chão?

-Não, não. Não foi isso que eu disse. Também não vamos exagerar. Se bem que se elas fossem trabalhar com aqueles vestidos seria um baita incômodo andar de ônibus. Seria um incômodo até mesmo andar de elevador. E já pensou um bando delas vestidas desse jeito no elevador ao mesmo tempo?

-Seria mais trabalhoso abrir aqueles botões todos...

-Seria. E elas iam ficar mais cansadas, mais irritadas, mais indispostas, mais preocupadas, iam gastar mais com roupas, iam gastar mais tempo se vestindo e tirando a roupa e enfim...Eu acho que não é à toa que as roupas de mulher são o que são hoje.

-Paletozinhos, calças apertadinhas, mini saiazinhas, blusinhas colantes e roupas de ginástica...Ah, que bons tempos.

-O que me incomoda mais não é o paletozinho, sabia?

-É o que?

-A mulher quer ser homem, você não percebe?

-Não, como assim?

-Ah, elas querem os nossos empregos, os nossos carros, elas querem escolher com quem transam e com quantos transam. Querem beber até cair com outras mulheres e dizer baixaria a respeito de homem. Eu não me surpreenderia se visse uma mulher coçando as partes íntimas em público.

-Ah, que bons tempos.

13 de mai. de 2009

Silêncio

Assim que tudo ficou diferente.
Sem peso andando comigo, sem buraco de umbigo que explicasse
Como surgiu a luz.
Sem papel fingido, sem palavras derretidas no ouvido
Só o silêncio sabe o que faz.

A hora era a mesma, o dia não.
Todos os dias, repetidas horas pulavam
Não queria não, não havia organização.
O pulso repete a mesma toada
O passo, o pedal, a calçada
O piso, a cabeça, a blusa suada

O cheiro do dia que muda
As mentiras que a gente arrota
As justiças que a mente acusa
Certo não. Não havia organização.
Mas qual o que se sem o peso
As costas vergam para trás
E metade das coisas responde
O que a outra metade desfaz

Sejam metades todas as ordens
Sejam inteiros todos os pesos
Na memória do dia diferente
Marco hoje não querer tudo
Pra ouvir o silêncio me soltar

2 de mai. de 2009

Mamãe

Que é que se passa? Resolveu ter manias agora depois de velha?

É, depois de velha. Antes você não via porque não notava nem que eu estava lá. Nem eu sabia que estava lá. Você me notou no dia em que ganhei o concurso de poesia, lembro. E quando ganhei a medalha de ouro no jogo de queimada também.

Não seja tão dramática, você sempre foi assim de achar que era invisível. Acho que você mesma descobriu suas manias depois de velha.

É possível.

Escreve um monte de asneiras e divagações, escuta músicas incompreensíveis e chora quando vê viralatas de coleira. Chega bêbada e vomita as 5 e meia da manhã, menina, você não vai crescer?

Em que sentido? Eu estou tranquila com isso, mamãe.

Essa é minha casa. Não quero suas festinhas aqui e nenhum viralata morando na lavanderia.

Mas, mãe. Alguém precisa fazer algo por esses cãezinhos. E eu prometo parar de beber, juro. Pelo menos em casa não vou mais fazer isso.

E fora de casa? Pra onde você vai quando sai? Você usa drogas, eu tenho quase certeza.

Eu não uso drogas, mãe. Se você considerar os antidepressivos e ansiolíticos, talvez.

Por falar nisso eu to pensando em cortar o psiquiatra, ele não está resolvendo nada.

Você quer que ele me arrume dinheiro, mãe?


Não, quero que ele arrume sua cabeça. Você já tem 30 anos.

Que há de errado com a minha cabeça?

Você não consegue perceber?

Não.

9 de abr. de 2009

O tango

Outro dia resolvi tomar aulas de dança de salão, justamente porque na porta do salão se anunciavam aulas gratuitas.
Saí do trabalho e fui direto, mas antes parei no boteco pra tomar um trago só pra dar uma desinibida, já que eu era ótima dançarina de espelho e de par invisível e estava me propondo a encarar uma possibilidade real de dançar com alguém.
Engoli uma cerveja sem tiragosto, fumei 3 cigarros e soquei um chiclete na boca, troquei os saltos do trabalho por sapatilhas com sola emborrachada para não ter risco de levar um tombo já na primeira vez, assim, sem intimidade nenhuma com ninguém.
Um homem simpático me conduziu do hall ao salão, se apresentou como professor Jeferson. Todo mundo o chamava de Jeff.
Eu sempre quis ter entrado naquele salão. Tinha o piso de madeira em formato de escamas de peixe, mais claro e mais escuro e meu Deus, como era encerado! Meus sapatos com sola de borracha não estavam resistindo de vontade de deslizar até a outra ponta.
Sentei-me numa das mesas laterais e fiquei olhando as pessoas que entravam. Somente casais, pra cima de cinquenta anos, pra cima de oitenta quilos, pensei em dizer que era uma repórter local de curiosidades e queria entrevistá-los para uma matéria sobre dança mas fiquei na minha.
Chegaram os assistentes do Professor Jeff, todos trajando as mesmas roupas de puxador de escola de samba e aqueles sapatos de verniz nas cores mais berrantes e deslizantes do mundo.
Eu me encolhi um pouco mais na cadeira, mas não fui embora. Fiquei ali esperando alguma coisa. Um chamado, quem sabe?
Eu não sabia, mas era dia de tango. Nossa, eu nunca tinha pensado em dançar o tango. Pelo menos não tinha pensado em dançar acompanhada. Eu tinha ainda uma chance de escapar pois estava sem par. O tango se dança com um homem, certo?
A música começou a tocar e uma professora guiava a ala feminina, ensinando que o tango é uma dança de conquista, onde o homem tem de guiar a situação toda e a mulher deve responder em perfeita sincronia.
Ela estava toda vestida de vermelho e andava devagar como uma gata deslizando pé depois de pé para que as mulheres notasse e imitassem o movimento. Não tinha obrigação de ser perfeito, tudo bem.
Eu até que levei jeito, disseram. Eu também achei, sabe? Até faria aquilo de novo, achei legal essa coisa de deslizar, gostoso. Pena meu sapato ter borracha na sola, não escorregava direito, dava umas travadas e não ficava legal. Comecei a invejar os sapatos de verniz do Jeff.
Fizemos 5 vezes a mesma sequencia de movimentos, com a mesma música e a mulherada estava se divertindo. Até que a professora disse que estávamos ótimas e anunciou que era hora de compor os pares.
Eu pensei que era hora de sentar, mas logo veio um assistente e me puxou pra dançar. Aí eu vi que não sabia nada, não consegui guardar a porcaria da sequência de nem me lembrei de deslizar como uma gata, como fazia a mulher de vermelho.
Eu dancei olhando pros meus pés como se fossem algo separado de mim e minha mão suava demais. A sorte foi que tinha borracha na minha sola porque senão os pés do coitado que me puxou pra dançar estariam prejudicados. Aquilo tudo durou uns dois minutos e mesmo assim eu fiz questão de repassar tudinho com o cara pra ter certeza que eu tinha guardado a sequência.
Voltei pro meu lugar e comecei a fazer com os pés os passos, sentada na cadeira. O homem veio de novo me puxar e eu me levantei, pronta pra fazer direito. Uma moça loira puxou meu braço e disse que era a vez dela e que era pra eu prestar atenção na fila.
Que fila? Não tinha fila nenhuma quando eu comecei...
Tinha sim. Tinha umas 4 mulheres sem par além de mim, estavam revezando o mesmo cara que dava conta de repetir a sequência duzentas vezes por noite. Olhei pra moça loira dançando, eu fiz melhor que ela, acho. Ela tinha cometido o erro fatal de usar um salto agulha pra ir dançar e estava toda se achando no piso encerado. E pudera que esse cara era tão bom, ele estava ali prestando um serviço.
Sem dúvida nenhuma, achei produtiva minha primeira experiência com a dança de salão. Mesmo não concluindo o tango porque a fila estava enorme. Também tive boas impressões sobre o universo das amostras grátis e da falta de parceiros do sexo masculino que se interessem pelo assunto.
Não estou desmotivada a continuar, o professor Jeff me estimulou bastante, disse que eu tenho jeito e que ele pode dar aulas pruma turminha menor, dessas só de meninas e coisa e tal. Fiquei meio cismada e não voltei mais lá, se bem que deu vontade de dar umas deslizadas sem compromisso naquele piso tão legal.
Se tiver próxima eu prometo usar sapatos mais apropriados e tentar outro ritmo com menos fila. Dança de salão tem máfia também, é um negócio, tem regras e mais regras. No final eu vi uma senhorinha de uns 80 anos dançando com o assistente na maior disposição. Ela não errou nenhum passinho e quase abriu um espacate no chão, achei o máximo. O assistente ficou até o fim da música com ela e teve até uns aplausos bem merecidos.
A senhorinha cumprimentou os colegas e foi pegar a bolsa na mesa do meu lado pra ir embora. Aí eu vi que junto com a bolsa estava também um senhorzinho, que devia ser o marido.

28 de mar. de 2009

Fragmento do dia (noite) de hoje

Eu deveria estar dormindo porque tanto faz pensar que a vida nesta vizinhança não faz sentido e que eu estive durante seis horas seguidas aqui, nesse mesmo quadrado iluminado forrado de papéis, desenhos e pilhas de livros.
Eu gosto da aparência deles, alinhei pelos tombos e organizei por assunto os que ficam logo acima da minha cabeça. Lembrei de como a ordem me era estranha tempos atrás e de como eu me confortava na mais absoluta balbúrdia.
Deveria ir pra minha cama ao invés de refletir sobre como se processam as mudanças e sobre como ouvir as pessoas falarem difícil me fez querer aprender a falar também, pra seguir o ritmo do mundo.
É tão estranho perceber que algumas coisas não me incomodam mais, como não ter roupas pra trocar ou não ter mais a minha coleção de CDs que foram roubados. Parece que disso eu não sinto falta. Parece que não sinto falta de nada. Nem de ficar acordada até tarde pela rua, nem de dirigir bêbada e nem de atrair a atenção de uma forma desesperada como eu acho que eu fazia.
Ninguém quer saber, eu sei, nem eu quero saber. Eu não estou lá dormindo porque tem um cão uivando embaixo da minha janela e logo um rapaz que está acordado até tarde pela rua passará de novo com seu gol quadrado fazendo aquele barulho característico de subúrbio.
Como eu sou injusta, chamo de subúrbio a rua onde moro simplesmente porque não gosto dela e nunca gostei. Eu acho que gosto de uma rua que não conheço ou que não existe. Uma rua nem tão deserta, pra eu não me sentir sozinha e nem tão movimentada pra eu não me sentir em um subúrbio. Tanto faz.
Eu conheço gente que não reclama de nada e conheço gente que não reclama das mesmas coisas que eu. Eu também conheço gente que faz um esforço tremendo para não reclamar de nada quando no fundo quer dizer que está puto por esse, esse e esse motivo. Parece que reclamar pega mal, as pessoas que ouvem nem sempre ou nunca estão interessadas no que você tem pra se queixar ou de como anda sua vida. As pessoas nunca estão realmente interessadas, a não ser que a sua vida renda uma boa história para ser passada adiante onde você é um maluco conhecido delas.
Eu por exemplo não estou realmente interessada, honestamente, nada interessada. Meu interesse é justamente resolver a minha vida. Isso me intriga profundamente, o tanto de insatisfação que eu vou ter que levar a cada dia pra poder um dia acordar e sentir que não me importo mais com nada. É verdade, esse dia vai chegar.
Vai chegar pra mim, pra você e até para o cara do gol quadrado, se Deus quiser. Nesse dia quem sabe ele compre um gol bolinha e eu não me sinta mais uma suburbana. Nesse dia eu provavelmente estarei dormindo depois de tomar um bom banho e de ler um bom livro e em paz, por não ter que interessar a ninguém.

28 de fev. de 2009

Correr

Marcelo caminhava e sua velocidade aumentava. Queria escapar de seus pensamentos.
Marcelo andava e fugia, o asfalto captava sua emoção. As borrachas do tênis rangiam, ele rangia.
Marcelo encontrou Felipe. Felipe andava na velocidade de seus pensamentos.
Felipe andava e corria, o vento acompanhava sua emoção. Felipe ouvia estremecer o tímpano com as rajadas de vento, estremecia.
Marcelo e Felipe corriam, empareados pela vitória. Vieram Rogrigo e Diego, cansados de guerra e fugidos de medo e culpa e pegaram os tais na última volta.
Marcelo, o que liderava, desritmou e deixou que os dois apressados corressem a ultima volta.
Felipe, em segundo lugar, observava Marcelo e seu alívio, querendo algo de seu espírito. Rodrigo e Diego ofuscavam sua visão deixando que se aborrecesse.
Rodrigo e Diego pararam para água e risos, Felipe zangou-se. Quis gritar com os moços que riam na corrida de sua vida e correu mais.
Marcelo ainda se mantinha rei e Felipe a seu alcance. Linha de chegada adiante e Rodrigo e Diego em seu calcanhar. Seu coração adiantou o que sentiria: Marcelo cruzou a linha. Tudo bem.

26 de fev. de 2009

Cordel existencialista moderno

Mendigo previdente

Vai perdido na rua
Com julgamento aflito
Quem no estar se situa
No mais simples conflito
Que a calma repouse
No frasco restrito
A quem mais atua
Neste destrito

Caminhoneiro sonhador

Durmo solene em berço de ar
Na cama de nuvem a vagar
Ventos carregam-me pelo salão
Vejo surgindo o meu caminhão
Brilhando sublime com suas rodas ouro
Já estou sentindo seus bancos de couro
Pelo Brasil vou viajar
Se o sono não me levar

Bilheteira reflexiva

O dia catraca na bilheteria
A noite também, mas com brisa fria
Papel, papel de vento em vento
O metrô é um lamento
Quilômetras vezes meu coração
Quis parar numa estação
E sentir o momento
De passar somente um dia

23 de fev. de 2009

Maria varria

Que vida crua que anda na rua de dia

Nos pontos de esquina, tamanha tortura

As marcas brancas no preto não dizem por onde andar

Dizem somente à pressa para parar

Todo dia em que ela se vestia

Era mais um quadrado riscado na correria

Era mais um dia em que ela varria

E suspirava entre uma poeira e outra

“Ó Virgem Maria”

De tanto ouvir o lamento, a virgem não descansava

Queria descer e lustrar a prataria

10 de fev. de 2009

Limites

Aqui para baixo vive um homem com seu cão.
Onde o terreno termina há uma cerca de arame e troncos podres que praticamente não divide o pedaço nosso do pedaço do homem.
Sabemos disso e mesmo assim não nos dignamos a caminhar pela propriedade do homem já que este homem é de origem muito humilde e campestre e vive numa espécie de alheamento social por mais de vinte anos, além de portar uma espingarda a qual não sei se funciona de fato. Não é uma boa idéia realmente.
Fizemos a ronda pelos vestígios de estábulos antes da cerca muitas vezes e caçamos montes de escorpiões a fim de queimá-los na fogueira e ver os bichinhos estrebuchar, retorcer e enrugar vencidos pelo calor que derretia aquela carapaça externa. Sempre rodeando em volta do terreno ao lado, querendo saber o que se passava por lá.
Engraçado como o cão dele caminha com um sino no pescoço para ser localizado. Toda a vez que ele se aproxima, a gente dá risada e diz que o Papai Noel chegou. É um vira-lata prognata caindo aos pedaços chamado Dumbo.
Nós não entendemos como o homem deu esse nome ao seu animal já que acreditamos que este homem nunca foi ao cinema, nem à cidade, nem tem tevê, não tem livros e muito menos sabe ler.
Ele anda por aí com suas galochas pretas que vão até o meio das coxas, o chapéu de palha todo desfiado e roupas que não sabemos como conseguiu, já que ouvimos por aí que ele não vai à cidade por alguns bons anos.
Um dia, o vizinho de cima nos disse que o terreno de baixo tem uma casa que fica depois do bosque e que está casa está trancada há mais de dez anos esperando que seus habitantes voltem de viagem. Perguntei para meu pai se era verdade que um dia morou gente naquele terreno abandonado do homem maluco das galochas e ele disse que sim.
Era uma família japonesa bem rica e com uma filha doente que teve que ser tratada nos Estados Unidos. A família nunca mais voltou daquela viagem, o que nos fez pensar que alguma tragédia havia acontecido e por isso tiveram que deixar a casa aos cuidados do Maluco de Galochas e seu cão, Dumbo.
Tínhamos treze e quatorze anos e meio, não era idade para se aventurar entrando na propriedade alheia para caçar mistérios sobre casas abandonadas e famílias japonesas desaparecidas, mesmo assim, a curiosidade sempre fez as pessoas terem um pouco mais de coragem em qualquer idade.
As cercas que não cercavam o terreno permitiram nossa passagem através do limite que sempre respeitamos e logo estávamos atravessando o milharal onde o homem tinha montado um espantalho com cabo de vassoura e algumas roupas que não lhe serviam mais. Seria uma visão pior se existissem corvos na região.
Depois do bosque, a tal casa que queríamos visitar estava ali com as paredes que eram brancas cobertas de limo e com as janelas enferrujadas de onde escorria aquele líquido laranja manchando a pintura.
Não era assustadora e nem parecia assombrada. Acho que não queríamos que fosse ao final, queríamos somente um motivo para cruzar a cerca.
Ouvimos o sino do pescoço de Dumbo ao longe. Ele vinha rosnando e latindo com seus dentes para frente. O que não parecia nada ameaçador, só muito engraçado.
Era um cachorro de idade querendo fazer seu trabalho, era valente, mas não tinha condição nenhuma de nos atacar.
Espantamos o Dumbo com um pedaço de pau e logo ouvimos o sino se afastar de novo, conforme ele corria para o barracão aonde vivia o Homem de Galocha.
A porta estava podre, foi fácil de abrir. Entramos na casa e foi a coisa mais estranha que já fiz na vida.
A sala estava intacta com sofás, poltronas e mesa de jantar. A mesa estava posta para quatro pessoas com pratos, talheres e copos. Havia uma panela fechada em cima dela também.
A cozinha tinha a louça na pia, acumulada depois de ser lavada. A esponja de lavar estava dura, seca e empoeirada dentro da pia.
No quarto, as camas desarrumadas e os armários continham roupas penduradas nos cabides.
Tivemos a sensação de que os japoneses saíram da casa pensando que voltariam no mesmo dia, como se sai de casa só para ir ao mercado ou banco. Não, eles não voltaram mais em vinte anos e tudo estava empoeirado e coberto de teias de aranha.
Perguntamos-nos como aquilo tudo aconteceu e resolvemos voltar para casa, afinal, já tínhamos visto o que queríamos ver.
O sino soou de novo e dessa vez, o homem veio com sua espingarda enferrujada na mão. Perguntou-nos quem éramos e o que queríamos.
Meio sem jeito, dissemos que era só curiosidade de criança mesmo, que tínhamos ouvido falar que ali havia uma casa e queríamos ter certeza. Pedimos muitas desculpas por ter invadido a propriedade e prometemos não voltar mais lá por tudo quanto era santo.
O homem disse que chamaria a polícia. Sentimos um calafrio e começamos a chorar.
O homem disse não precisávamos chorar e que entendia o que era ser curioso.
O homem convidou-nos para ir a casa dele e perguntou se estávamos com sede. Dissemos que sim.
O homem deu-nos água para beber em latas de ervilha e pediu as latas de volta.
Não fizemos nenhuma pergunta. Ele nos guiou até a cerca que não cercava e disse para nunca mais voltarmos lá e não contarmos para ninguém o que vimos.
Voltamos em silêncio para casa e ficamos assim por mais um bom tempo sem tocar neste assunto e nem pensar nele sequer.
Até hoje eu não sei o que houve com a família que morava ali, japonesa ou não. Sei apenas das historias que ouço por aí. Deve ter havido algo muito sério para que eles não voltassem mais para casa e com certeza o Homem de Galocha sabia, mas era algo que não devia ser contado, pois era particular, creio eu.
Desde então, não tive mais vontade de pular muros e cruzar cercas. Meu espaço parece meu, parece seguro e repleto de histórias que eu sei contar do começo ao fim.

16 de jan. de 2009

Fragmento do dia de hoje


Janeiro é um mês que quase não vejo todo ano. É meio morto, com jeito de ano passado. Estou em janeiro, estamos todos em janeiro. No mesmo emprego ou ainda sem emprego, esperando o outro ano se animar pra começar ou simplesmente seguindo a morosa valsa quente de verão.
Estou dando voltas pra desconversar. Como as pessoas que falam sobre o clima no elevador. As pessoas também falam sobre o dólar, o euro ou o acidente de avião em que ninguém morreu mas poderia ter morrido, de hipotermia.
Pra que inventar história? Meus dias parecem escritos por alguém muito aflito, ou empolgado ou alguém qualquer entediado e a fim de uma diversão sem compromisso, é verão.
Estou assim, janeiro. Perdoe-me a franqueza. Estou assim, cheia e vazia. Querendo dizer um monte de coisas que eu rabisquei na minha mente e agora não querem saltar para os dedos converterem em letras.
Estou sozinha com a casa cheia e não consigo fotografar o sol. O sol não tem graça em janeiro. O sol tem graça em agosto quando ele aparece pra esquentar as mãos frias na hora de almoço.
As formigas e cupins estão procriando e não podemos impedí-las, estão por toda parte. As pessoas estão por toda parte fazendo tudo igual todos os dias, formigas. É quente demais, quente. Estou no quarto olhando para a rua, pensando no dólar, no euro e no acidente de avião em que ninguem morreu de hipotermia.
Inútil. Janeiro não vai passar em branco porque reclamei dele, pra desconversar.