21 de mai. de 2009

Bons tempos

-Mulher é bonita enquanto é mulher, pode ter certeza. Eu vou trabalhar e só vejo a aquele bando de moças de paletozinho ; algumas até de gravatinha andando com aqueles sapatos de salto fazendo "tec tec tec" e a cabeça pra cima sem olhar pra nada.

-Você queria o quê, Chico? É um mundo dos homens, não é? Você queria que elas usassem aqueles vestidos compridos que arrastam no chão?

-Não, não. Não foi isso que eu disse. Também não vamos exagerar. Se bem que se elas fossem trabalhar com aqueles vestidos seria um baita incômodo andar de ônibus. Seria um incômodo até mesmo andar de elevador. E já pensou um bando delas vestidas desse jeito no elevador ao mesmo tempo?

-Seria mais trabalhoso abrir aqueles botões todos...

-Seria. E elas iam ficar mais cansadas, mais irritadas, mais indispostas, mais preocupadas, iam gastar mais com roupas, iam gastar mais tempo se vestindo e tirando a roupa e enfim...Eu acho que não é à toa que as roupas de mulher são o que são hoje.

-Paletozinhos, calças apertadinhas, mini saiazinhas, blusinhas colantes e roupas de ginástica...Ah, que bons tempos.

-O que me incomoda mais não é o paletozinho, sabia?

-É o que?

-A mulher quer ser homem, você não percebe?

-Não, como assim?

-Ah, elas querem os nossos empregos, os nossos carros, elas querem escolher com quem transam e com quantos transam. Querem beber até cair com outras mulheres e dizer baixaria a respeito de homem. Eu não me surpreenderia se visse uma mulher coçando as partes íntimas em público.

-Ah, que bons tempos.

13 de mai. de 2009

Silêncio

Assim que tudo ficou diferente.
Sem peso andando comigo, sem buraco de umbigo que explicasse
Como surgiu a luz.
Sem papel fingido, sem palavras derretidas no ouvido
Só o silêncio sabe o que faz.

A hora era a mesma, o dia não.
Todos os dias, repetidas horas pulavam
Não queria não, não havia organização.
O pulso repete a mesma toada
O passo, o pedal, a calçada
O piso, a cabeça, a blusa suada

O cheiro do dia que muda
As mentiras que a gente arrota
As justiças que a mente acusa
Certo não. Não havia organização.
Mas qual o que se sem o peso
As costas vergam para trás
E metade das coisas responde
O que a outra metade desfaz

Sejam metades todas as ordens
Sejam inteiros todos os pesos
Na memória do dia diferente
Marco hoje não querer tudo
Pra ouvir o silêncio me soltar

2 de mai. de 2009

Mamãe

Que é que se passa? Resolveu ter manias agora depois de velha?

É, depois de velha. Antes você não via porque não notava nem que eu estava lá. Nem eu sabia que estava lá. Você me notou no dia em que ganhei o concurso de poesia, lembro. E quando ganhei a medalha de ouro no jogo de queimada também.

Não seja tão dramática, você sempre foi assim de achar que era invisível. Acho que você mesma descobriu suas manias depois de velha.

É possível.

Escreve um monte de asneiras e divagações, escuta músicas incompreensíveis e chora quando vê viralatas de coleira. Chega bêbada e vomita as 5 e meia da manhã, menina, você não vai crescer?

Em que sentido? Eu estou tranquila com isso, mamãe.

Essa é minha casa. Não quero suas festinhas aqui e nenhum viralata morando na lavanderia.

Mas, mãe. Alguém precisa fazer algo por esses cãezinhos. E eu prometo parar de beber, juro. Pelo menos em casa não vou mais fazer isso.

E fora de casa? Pra onde você vai quando sai? Você usa drogas, eu tenho quase certeza.

Eu não uso drogas, mãe. Se você considerar os antidepressivos e ansiolíticos, talvez.

Por falar nisso eu to pensando em cortar o psiquiatra, ele não está resolvendo nada.

Você quer que ele me arrume dinheiro, mãe?


Não, quero que ele arrume sua cabeça. Você já tem 30 anos.

Que há de errado com a minha cabeça?

Você não consegue perceber?

Não.