14 de jul. de 2011

Amarilis

Certo dia, acordada depois das oito da manhã, não mais pertencia aos dias.
Estava coberta de lama, dos pés à cabeça e sorria da cor marrom brilhante estalando em rachaduras por causa da luz do sol.
Logo mais a lama deslizava entre os dedos que a amassavam com carinho para depois esprême-la, esmagá-la com a palma da mão e assim vê-la tomar outra forma igualmente bela.
Saindo de minhas mãos podem ser qualquer coisa, não só minhas, mas de todos.
Desprendo cascas que secam do corpo, estas sobem ao ar formando terna nuvem luminosa. Ali meus pedaços eu deixo, no pó.
Plantar num vaso aquela Amarilis. Seu bulbo seco e rebrotado dobrou em outro bulbo que se avisinhou no mesmo vaso. As pás e tesoura descosturam a preciosa criatura para cabê-la num vaso de barro. Meu vaso que rachou depois de não poder mais se sustentar.
Quero que nasçam raízes nas rachaduras, quero ver o sacrifício da planta procurando comida nos ares, nos vãos que deixei com meus dedos. Forço os bulbos gêmeos para dentro do vaso que não quer contê-los.
Meus dedos os empurram com a força em que cavo meu espaço. O vaso arrebenta deixando cair uma parte. Sufoco as raízes com força, quero fazê-las nascer ali, fazer nascer a flor no verão, nas ruínas do recipiente.
Será belo, eu quero. Nascerá uma única flor depois que estiverem bem verdes suas folhas. Depois, irá dormir novamente acostumada com as janelas da nova casa.

1 de mai. de 2011

Domingo

Por que me seguem? Sem pistas do que sou, ando deslumbrada.
Sinto fome, a imensa fome. Nada me deixa saciada.
Deitada na cama, domingo à noite, o cobertor nos pés, minha velhice precoce acelera os pensamentos da semana. Nada tenho, nada temo. Tenho a mim, meus sonhos, minha estrada.
Há de haver fome, penso. Há de haver saciedade um momento ou outro quando sento em pedras e vejo as águas, quando sinto o sol batendo nas fachadas, quando pego o jornal pra fazer palavra cruzada.
Há de haver medo pra que a coragem seja encorajada. Há de haver pressa para não se atropelada, há de ver ciume para nao ser tão apegada. Há de haver alma para tanto.
Sussuro para ele: vá escovar os dentes.
Ele não vai. Quer me ler um trecho de sua revista. Eu quero ouvir pra me embalar no sono. Este mesmo sono induzido dos meus dias. Acordo quebrada e não sei de nada que fiz. Quem mandou dormir sedada? Parecia mais fácil do que rolar de um lado pra outro pedindo pra ser abraçada pelo torpor natural. Remédio que não cura, outro vício, outra medida equivocada. Ele vai adormecer e eu ainda não ouvi o artigo que ele quer ler. Seguro os olhos pra não cair, amanhã é segunda-feira mais uma vez.

19 de jan. de 2011

O Cristo

O homem fotografava o monumento com um cigarro na mão. Tomou distância pra enquadrar o Cristo em frente a igreja. Uma mocinha aproximou-se pedindo o isqueiro.
O homem guardou a máquina e acendeu seu cigarro. A mocinha sorriu e encostou-se na mureta da praça. O homem encostou-se também fazendo um comentário sobre a beleza do local, visto que a mocinha também era turista. Aproveitou para fotografá-la com o Cristo ao fundo usando a máquina de seu celular. Ela sorriu feliz com seu batom vermelho para a foto, chamava-se Eduarda e estava ali esperando alguém chegar.
O homem era amável e galanteador, parecia entender de arte e ter viajado muito, Eduarda se sentiu cortejada. Coisa que algumas mulheres perderam a capacidade de sentir nos dias de hoje.Talvez porque vivem uma vida de não esperar mais que certas atitudes devam partir dos homens ou perderam a fé no amor, vai saber o que as pessoas pensam...
Domingos convidou Eduarda para um café, depois do segundo cigarro. Ela olhou para o lado, hesitante. Logo estão às gargalhadas e provocam alguns olhares aheios. Eduarda se cala e permite-se pensar em compostura. Logo Domingos percebe e pede que ela se livre de certos freios que a sociedade nos impõe. Eduarda vê grande sabedoria nas suas palavras, gostava de homens maduros e livres. Diferente dos homens com quem já havia estado, Domingos parecia seguro sobre o futuro, sobre o que tinha na vida, sobre a ideia de felicidade, leveza das coisas. Eduarda ficou encantada com a mente daquele homem e com o quanto poderia aprender com suas experiências, estava ali absorvida.
Domingos olhou pros olhos da moça e teve um pressentimento daqueles que tinha quando antevia uma encrenca.
Decidiu encerrar a conversa e pediu a conta. Disse que tinha de ir a um compromisso. Pagou os cafés e partiu.
Eduarda deixou as impressões sobre Domingos dominarem seus pensamentos. Pensou em sua falta de sorte.


Joana pediu licença para atender o telefone. Era seu namorado queixando-se de sua ausência. Guardou a câmera e sentou-se no banco da praça para convencê-lo de que era preciso passar um tempo com seu pai. André achou que ela estava fria demais. A discussão aumentou depois que Joana mencionou suas desconfianças. Joana virou o rosto e chorou no banco da praça, em frente a imagem do Cristo e à igreja colonial.
Joana pensou séria no amor. Nunca tinha sido tão sério assim. Precisava estar concentrada pra ser feliz, pra ter o que queria, chegar onde queria. André estava dando provas claras de que não pensava da mesma forma - Joana suspirou tomando seu sorvete de tiramissu.


Domingos aparece procurando Joana, dão-se os braços e falam das ruas, dos cafés, do passado, das enchentes de verão, de seus descompromissos. E foram assim cheios de risos por aí. Até o fim de tudo. Não importa nada, afinal, nada. Dizia ele...