16 de jul. de 2008

Saindo da rotina

Há quem acredite que os votos de sim podem ser sinceramente eternos. Muitos já descreveram os tombos diários a dois, a três, os tropeços familiares, a dispariedade dos sensos. Muitos já comentaram sobre a mágica do cotidiano, a lógica dos pensamentos irracionais, muitos já contaram histórias de pessoas.
As pessoas, entidades contadoras de histórias pessoais e fictícias, inventam histórias de animais, de objetos que criam vida com a introdução da ânima, do estado movimentador do ser.
As pessoas caminham no dia a dia se deparando com cenas que as surpreendem por parecerem com a arte imitada pela tevê.
As pessoas se aproximam de tudo que seja relacionado a elas, tanto pela forma como pelo conteúdo.

Durante a aula do Professor Ernesto Carnaúba Filho, José Jorge Eduardo Carvalho, um dos alunos do curso de psicologia da faculdade, acordou durante este trecho do discurso do professor.
Era conhecido como Dedé, um membro ativo da atlética da universidade e exímio jogador de xadrez, tendo representado o curso em muitos campeonatos pelo Brasil.
Dedé gostava de jogos, quis estudar a psicologia para tentar entender por que as pessoas jogam. Estudou por conta própria os jogos de estratégia e tinha o hábito de permanecer em silêncio, apenas lendo a linguagem corporal do oponente ou interlocutor, a fim de prever seu próximo movimento.
Estando no terceiro ano da faculdade, já havia acumulado conhecimentos acadêmicos para analisar sob a luz de vários pensadores e psicanalistas as pessoas envolvidas.
Até que sua racionalidade o transformou num rapaz solitário que completava as frases das pessoas e julgava adivinhar seus pensamentos.

Dedé virou o chato da sala. Aquele que evidentemente tinha medo da espontaneidade. As meninas o chamavam de nerd, o cara que sempre dava o contra.
Os rapazes o chamavam de chato mesmo e inventavam teorias e histórias sarcásticas sobre sua sexualidade.
O rapaz passou a se considerar alguém à frente de seu tempo e incoompreendido. Fácil assim, isolou-se.

Observava com desdém os outros marcando passeios e fumando cigarros na cantina e dizia baixinho que eram um bando de estúpidos desperdiçando a saúde e juventude com as coisas mundanas e banais enquanto seu dever como jovens era a consciência, a cidadania e a paixão pela sabedoria.

Dedé sofria. Ele sofria de inveja também. Queria uma namorada, uma namorada que conversasse com ele. Não era de todo feio, tinha olhos claros e algumas espinhas, mas sua vivacidade e conhecimento acumulados deveriam impressionar uma garota interessante.
Tentou o flerte com algumas meninas que se reuniam no pátio algumas vezes. Nada.
Tentou oferecer carona, puxar conversa, derrubou livros, trocou emails...Mas toda a vez que ele começava a desfiar suas opiniões sobre o comportamento humano era rejeitado de alguma forma.

Enfim, pediu conselhos a seu terapeuta, o Dr. Euclides Macieira e ele o aconselhou a viver sua idade.
Dedé justificou que sabia o que era ter 24 anos. E julgava-se maduro e pronto.
O terapeuta insistiu: Faça coisas estúpidas e não se culpe por isso.
Dedé indignou-se a princípio mas a frase ecoava em sua mente repetidas vezes.
Como se sentiria sendo estúpido?
Imaginou-se como um neandertal desprovido de modos e com todo aspecto negativo de uma criança mal criada. Colocou-se no papel atávico do animal interior.
Entrou na pastelaria em frente à faculdade e pediu uma cerveja. E outra. E outra.
Ficou alcoolizado e vandalizou um carro em frente à pastelaria. Enfiou pregos nos pneus.
Quebrou uma placa da rua, aos pontapés. Entrou visivelmente bêbado na aula e isso obviamente ofendeu o Mestre, que o expulsou de imediato.

Dedé chegou em casa e xingou a mãe. Chutou o cão, bateu a porta.
Deitou em sua cama e dormiu.
No dia seguinte, virou notícia na tevê.