29 de nov. de 2010

meio termo

O dia em que tive visita seguiu repleto de surpresa.
Girei o trinco e da porta me caiu a maçaneta.
Abri o pó de café e da lá levantou uma borboleta.
O susto que tomei me fez ficar refletindo,
Se saio de casa pra rua ou se fico aqui a varrer meu cantinho.
Se passo uma tinta no teto ou se vou atrás do meu caminho.
Se é pra ter um caminho ou só basta um dinheirinho.
Se mulher que fica em casa, não desabrocha
Se mulher que sai de casa vira rocha.

26 de set. de 2010

percepção e distoção - queridas amigas

Frequentemente entro num estado de percepção alheia em que me parecem todos estarem atuando numa cena ao meu redor.
Os objetos parecem colocados de propósito em seus lugares: os quadros pendurados nas paredes, estratégias de atenção visual. Uma conversa atrás de mim, uma frase emitida pela pessoa mais próxima se fixa no ar e parece assim meu ouvido tocá-la para dentro. Imagino o restante da frase e também a história inteira que sucedeu antes dela invadindo a vida do outro só pra mim, sem interesse real. Só pra tocar a campainha e sair correndo.
As expressões dos rostos marcam-se por linhas graves e distorcidas, cada sinal pessoal as transforma em personagens, caricaturas de bichos ou pessoas com traços deformados. Cada música explode ou acaricia o cérebro com suas notas no meu estado do dia. Chamam isso de stress, sensibilidade, as vezes...Eu não sei.
Sexta passada estive em um bar onde a banda que tocava tinha um saxofonista que me chamou a atenção. Pessoas empunhando instrumentos são sempre interessantes. Aparentam estar segurando um ser querido com respeito e carinho. Este homem devia pesar uns 47 quilos e o instrumento parecia desproporcional ao seu corpo. Ele se curvava para conseguir sustentá-lo e soprava os acordes de improviso, fazendo pausas para recobrar fôlego.
O fato mais cômico foi o de o homem fechar os olhos e olhar para cima como se estivesse em oração antes de soprar no bocal do sax.
Sem conseguir parar de rir, comecei a generalizar e rotular automaticamente cada um que estava no mesmo ambiente e anotar tudo no meu bloquinho: à equerda - casal que se conheceu em redes sociais, à direita - homem misantropo e muito mala, em frente - único homem com mullets e bigode sobre a face da terra...foi divertido e invariavelmente arrogante e sarcástico. Injusto e nada poético.
Difícil ser um ser puro e me livrar da ironia.
Já me disseram que ser irônico é uma forma de auto-defesa. Faz sentido me esforçar pra ser verdadeira, não faz?
Estou com dificuldades nisso...

21 de set. de 2010

Daqui de dentro, faz tempo

Fazer-me clara e objetiva em execícios diários como ordem unida. Marchar pela vida endireitando a vontade explícita e descarada de ser uma pervertida.
Minha consciência é uma âncora que prende o ego ao chão. Sem mais meios para fugir, o drama não mais pode sair de meus dedos para essa página, nem na fumaça dos cigarros que parei de tragar, tampouco ser aliviado por uns traguinhos casuais em algum botequim.
Na escola da vida dura (onde meu prezado Robert Crumb tentou estudar). Gente que chamei de babacas são hoje meus colegas. E não são babacas, são só gente. Eles comem bombons, gostam de rock e também têm tatuagens de ideogramas chineses sem serem chineses.

Estanquei a verborragia gratuita e os esboços de contos sobre gente que não conheço e invento em situações de auto-projeção.
Parei de fazer análise pois achei que sabia tanto sobre mim que virei objeto de entojo. Mal posso mais ouvir a minha voz a falar aleatoriedades porque me soa enjoativa e pausada demais. Sou uma reclamadora compulsiva de mim mesma.

Li num cartaz uma dia: "observar é absorver". Bonito. Agora eu olho, gosto, não gosto, comento. Vou a crítica para avaliar como posso melhorar, sabendo onde haverá a decepção amiga de sempre. O mundo é decepção, com algumas surpresas, se eu me mexer.

29 de mar. de 2010

Ana

Ana vinha tímida sempre que chamassem. Diferente de quando ela saía por conta para perceber as coisas. Batia com os bicos dos tênis alternando os pés enquanto ouvia sons, quebrava de leve a cintura para os lados conforme a música comandava. Não creio que ela soubesse ouvir com os ouvidos, mas que ela ouvisse com todo o corpo envolvido na energia da música.
Ana mal se sentia. Sentia-se boba acreditando quando diziam que tinha o talento de reproduzir coisas. Sorria por fora mas por dentro mentia o que era aquilo.
Sempre havia tempo demais ou de menos para seus desejos, tudo estava desalinhado e desconjuntado com suas emoções. Vivia as imagens no passado como cenas construídas para o presente. Narrava internamente sua história e falava de si em terceira pessoa. Ana andou, Ana riu, Ana fitou indignada alguma coisa. Ana sempre tinha feito algo que nunca fazia. Só fazia que fazia e gostava de ter feito.
O encontro de Ana com o que desejavam que tivesse feito era sempre muito complicado e triste. Vinha ardido de decepção, com um nó enorme no peito do tamanho de um sapo gigante e gordo. O que fazer?. Fazer, fazer. Viver para dentro as histórias inventadas, maquiar traços de idéias despedaçadas, respirar e sorrir.