9 de jan. de 2008

Organizações

Paula:
-Não viaja

Jorge (em tom indignado):
-Como assim? Você acha normal que alguém numa fila de restaurante repare na etiqueta interna da minha camisa?

Paula ( friamente) :
-Ninguém prestaria atenção nisso se não fosse um neurótico igual a você.

Jorge:
-Eu? Neurótico? Só porque o meu sistema dá certo? Eu sei o que você tem. Você tem inveja por não conseguir ter a minha organização e fica resmungando nos cantos quando eu te peço uma mísera opinião.

Paula (friamente):
-Jorge, você está brincando, não? Não acho possível que você pense que eu tenho inveja da vida obsessiva que você leva. Bem que sua mãe dizia que você tinha mania de fechar todas as portas abertas logo depois que começou a andar. Eu devia ter previsto que dividir uma casa com você seria morar no inferno.

Jorge (aumentando o tom de voz):
-Será que você poderia dizer por favor onde estão meus cotonetes? Eu disse que eles deveriam ficar na parte direita da prateleira do meio para evitar o vapor do box e não...

Paula:
-Tá vendo? Depois diz que não é obsessivo...Os cotonetes estão no criado mudo.

Jorge (agitado):
-O que diabos estão fazendo lá? Eu não disse que TINHAM que estar no banheiro, no lugar que seria melhor para eles e para nós? Será que é muito difícil de entender. Quer que eu desenhe, faça um gráfico ou um esquema pra ajudar?

Paula (impaciente, andando de um lado pro outro):
-Tome os malditos cotonetes e enfie eles naquele lugar, seu imbecil sistemático de merda!

Jorge (carinhosamente):
-Amor, não precisa ficar nervosa. Olhe, estão lá de novo. Não estão perfeitos? Aliás, me diga o que achou da nova disposição das panelas da cozinha? O que achou das embalagens dos sapatos etiquetadas com a data de compra e o tempo de uso? Gostou da classificação dos absorventes por ordem de uso de acordo com o fluxo menstrual ao longo da semana? Ah, me diga. Faço tudo por você.

Paula (sorrindo e sentando-se na ponta da cama):
-Claro que gostei, meu amor. Fico feliz quando faz tudo isso pensando em mim.

1 de jan. de 2008

Bolinhos de chuva

Hoje deve chover.
Se não fosse tão comum a pressa, eu simplesmente sentaria no banco do jardim e contemplaria as gotas grossas de chuva batendo nas folhas.
Decido não olhar. Decido levantar-me, lavar o rosto e fritar bolinhos de chuva...Eles têm o poder de colorir o tempo.
Engraçado como os atos automáticos de viver podem nos fazer parar de viver. Encontro pessoas felizes que vêem a mística e o sobrenatural em tudo para o alívio do medo de não saber.
Encontro pessoas que tomam pílulas para colorir a vida, os dias e os relacionamentos. Tomam pílulas pra não agredir o chefe, a mulher, os filhos. Pra pararem de falar bobagens. Pra conseguirem dormir com suas culpas e pra renderem mais no trabalho abraçando mais coisas pra fazer. Pra fugir.
Eu quero saber o que é fugir. Se tantos o fazem e parecem continuar sofrendo, parecem não fazer. Parecem fingir que não estão sofrendo. Parecem sorrir mecanicamente porque a pílula está agindo.
E os místicos sorriem por causa da fé em algo que não se sabe. Justificam seus males no sobrenatural. Consolam-se nas forças ocultas e alimentam-se das energias de fé.
No que creio? Não sei. Estou revendo os efeitos dos bolinhos de chuva salpicados de canela que fritei de tarde. Eles podem não ter efetivamente colorido meu dia. Mas mataram minha fome física.