22 de jun. de 2008

A Glória

Os passos na rua molhada pela chuva das 6 da manhã tinham pressa. Era clara uma parte do céu. Que dor na bexiga.
A sola do sapato descolou-se, derretida a cola tenaz que a fixou ontem. O remédio para a bexiga comia-lhe as paredes do estômago. Era a glória.
O frio das primeiras horas do dia endureceu seu nariz, o vento embaralhou seus oitenta centímetros de cabelos negros duros e lisos como os dos pincéis. Era a glória, doía-lhe a coluna.
Bateu à porta, ninguém ouviu. O sol insistia em romper as nuvens cinzas e surgir no horizonte das 8 da manhã. A massa cinza gotejou em cima de sua cabeça. A coluna, a cabeça. Era uma glória.
Meia hora de gotejos, pinçadas na coluna, dores de bexiga, estômago e a vontade absoluta de sorver um gole de café doce e a porta se abriu, pela glória.
A roupa do varal se molhou, o cão comeu os chinelos, os cabelos que gritavam por um pente foram amarrados no topo da cabeça. O dia começava assim em trinta e quatro anos de glória.
Pronto o café, roupas de volta na máquina. O Ely Correa gritava as suas no rádio.
A bexiga não mais doía. Doía-lhe o café doce, tomado em demasia. A mancha que não saía da saia, nem pela glória.
Amanda arrumara um emprego, graças a deus. Que glória, minha filha.
Ligou para contar depois de feito o feijão com caldo grosso e cuidado com seus oitenta centímetros de cabelos despenteados e presos no topo da cabeça com uma touca hospitalar. Um cabelo no feijão seria a glória.
Enfim, hora de partir. De volta aos sapatos de plástico, às dores de coluna. O sol fez a volta no céu e agora se despedia do dia deixando as nuvens ganharem a guerra. A rua e seus pés estavam secos, mas doíam sinalizando um dia de glória.