19 de set. de 2008

Ajustes

Em que mundo você vive?
No que você está pensando?
Por que eu ainda me sinto atraída por suas camisas amassadas que nunca entraram dentro de uma calça e nem no meu armário?
Já faz tempo que eu ouvi aquela música que você chamou de nossa. E como da última vez, eu dancei. Mas agora, danço sozinha.
Eu vi há algum tempo que não podia mais fingir que você estava ali e comecei a me olhar mais no espelho. Cada detalhe de mim refletido revelava algo que eu desconhecia.
Eu não sabia que tinha sardas do lado esquerdo do rosto, ou que meu nariz era torto um pouquinho pra esquerda. Ou acho que sabia...Não devia ter importância pra mim esse tipo de coisa.
Eu sempre consegui reparar perfeitamente se o seu cabelo estava bom ou ruim, se tinha algum fio branco novo. Eu sempre consegui distinguir o seu cheiro no meio de uma multidão, como um perdigueiro. Sempre te achei mesmo sem saber que estava procurando.
É incrível como as dores no pescoço sumiram e todas aquelas coisas no meu quarto escondiam uma estante de madeira bonita, que minha mãe me deu.

Eu quero guardá-lo dentro dela, assim, você pode estar lá quando eu resolver escondê-lo de novo.



(Fragmento de algum ajuste, pode servir para você.)

10 de set. de 2008

Remédio caseiro

O grito ecoou no centro do corredor. Leila correu em disparada na direção do ruído agudo. Pareceu arrancada de um devaneio florido direto para o chão duro e frio de cerâmica bege.
Cláudio havia levado um tombo daqueles e queixava-se de dores no joelho. Ela pensou de pronto que seria mais uma forma que ele encontrara de chamar-lhe a atenção.
Leila sentou-se no chão e colocou a cabeça do homem em seu colo: Já já passa, querido... Disse com um tom mudo e com os olhos perdidos em algum lugar da parede.
Cláudio levantou-se com dificuldade e caminhou para a sala mancando e com os olhos brilhantes por causa das lágrimas retidas.
-Leve-me ao pronto-socorro, por favor... Pediu.
-Não precisa, querido. Eu faço massagem com gelol, coloco o tensor. Posso colocar uma bolsa de gelo também, meu amigo fisioterapeuta disse que é sempre bom colocar gelo.
Cláudio insistiu:
-Leila, é sério. Está doendo muito, preciso de um médico.

A moça, contrariada, agachou-se para examinar o joelho ferido: -Está só um pouco inchado, você está nervoso, Cláudio. Sente-se aí um pouco e vamos colocar o gelo.
Ele obedeceu colocando a perna apoiada na mesa de centro aos gemidos.
-Tome agora um analgésico e a dor vai passar, meu bem.
Ele obedeceu, tomou o comprimido grande e recostou a cabeça, mais relaxado. Dormiu ali, por duas horas.
Leila fez o jantar enquanto ele dormia. Tinha aprendido a cuidar bem das pessoas em casa. Remédio e carinho sempre eram muito melhores do que frios hospitais e médicos negligentes.
Saúde de verdade era dentro de casa. Preparou-lhe uma bela canja.
Na sala, o homem urrava sozinho. Doía-lhe agora toda a perna, parte de cima e debaixo do joelho. Fisgavam-lhe os quadris, costelas, cotovelos e ombros. Latejavam as veias, os ossos e músculos. E ainda batia o coração.