9 de abr. de 2009

O tango

Outro dia resolvi tomar aulas de dança de salão, justamente porque na porta do salão se anunciavam aulas gratuitas.
Saí do trabalho e fui direto, mas antes parei no boteco pra tomar um trago só pra dar uma desinibida, já que eu era ótima dançarina de espelho e de par invisível e estava me propondo a encarar uma possibilidade real de dançar com alguém.
Engoli uma cerveja sem tiragosto, fumei 3 cigarros e soquei um chiclete na boca, troquei os saltos do trabalho por sapatilhas com sola emborrachada para não ter risco de levar um tombo já na primeira vez, assim, sem intimidade nenhuma com ninguém.
Um homem simpático me conduziu do hall ao salão, se apresentou como professor Jeferson. Todo mundo o chamava de Jeff.
Eu sempre quis ter entrado naquele salão. Tinha o piso de madeira em formato de escamas de peixe, mais claro e mais escuro e meu Deus, como era encerado! Meus sapatos com sola de borracha não estavam resistindo de vontade de deslizar até a outra ponta.
Sentei-me numa das mesas laterais e fiquei olhando as pessoas que entravam. Somente casais, pra cima de cinquenta anos, pra cima de oitenta quilos, pensei em dizer que era uma repórter local de curiosidades e queria entrevistá-los para uma matéria sobre dança mas fiquei na minha.
Chegaram os assistentes do Professor Jeff, todos trajando as mesmas roupas de puxador de escola de samba e aqueles sapatos de verniz nas cores mais berrantes e deslizantes do mundo.
Eu me encolhi um pouco mais na cadeira, mas não fui embora. Fiquei ali esperando alguma coisa. Um chamado, quem sabe?
Eu não sabia, mas era dia de tango. Nossa, eu nunca tinha pensado em dançar o tango. Pelo menos não tinha pensado em dançar acompanhada. Eu tinha ainda uma chance de escapar pois estava sem par. O tango se dança com um homem, certo?
A música começou a tocar e uma professora guiava a ala feminina, ensinando que o tango é uma dança de conquista, onde o homem tem de guiar a situação toda e a mulher deve responder em perfeita sincronia.
Ela estava toda vestida de vermelho e andava devagar como uma gata deslizando pé depois de pé para que as mulheres notasse e imitassem o movimento. Não tinha obrigação de ser perfeito, tudo bem.
Eu até que levei jeito, disseram. Eu também achei, sabe? Até faria aquilo de novo, achei legal essa coisa de deslizar, gostoso. Pena meu sapato ter borracha na sola, não escorregava direito, dava umas travadas e não ficava legal. Comecei a invejar os sapatos de verniz do Jeff.
Fizemos 5 vezes a mesma sequencia de movimentos, com a mesma música e a mulherada estava se divertindo. Até que a professora disse que estávamos ótimas e anunciou que era hora de compor os pares.
Eu pensei que era hora de sentar, mas logo veio um assistente e me puxou pra dançar. Aí eu vi que não sabia nada, não consegui guardar a porcaria da sequência de nem me lembrei de deslizar como uma gata, como fazia a mulher de vermelho.
Eu dancei olhando pros meus pés como se fossem algo separado de mim e minha mão suava demais. A sorte foi que tinha borracha na minha sola porque senão os pés do coitado que me puxou pra dançar estariam prejudicados. Aquilo tudo durou uns dois minutos e mesmo assim eu fiz questão de repassar tudinho com o cara pra ter certeza que eu tinha guardado a sequência.
Voltei pro meu lugar e comecei a fazer com os pés os passos, sentada na cadeira. O homem veio de novo me puxar e eu me levantei, pronta pra fazer direito. Uma moça loira puxou meu braço e disse que era a vez dela e que era pra eu prestar atenção na fila.
Que fila? Não tinha fila nenhuma quando eu comecei...
Tinha sim. Tinha umas 4 mulheres sem par além de mim, estavam revezando o mesmo cara que dava conta de repetir a sequência duzentas vezes por noite. Olhei pra moça loira dançando, eu fiz melhor que ela, acho. Ela tinha cometido o erro fatal de usar um salto agulha pra ir dançar e estava toda se achando no piso encerado. E pudera que esse cara era tão bom, ele estava ali prestando um serviço.
Sem dúvida nenhuma, achei produtiva minha primeira experiência com a dança de salão. Mesmo não concluindo o tango porque a fila estava enorme. Também tive boas impressões sobre o universo das amostras grátis e da falta de parceiros do sexo masculino que se interessem pelo assunto.
Não estou desmotivada a continuar, o professor Jeff me estimulou bastante, disse que eu tenho jeito e que ele pode dar aulas pruma turminha menor, dessas só de meninas e coisa e tal. Fiquei meio cismada e não voltei mais lá, se bem que deu vontade de dar umas deslizadas sem compromisso naquele piso tão legal.
Se tiver próxima eu prometo usar sapatos mais apropriados e tentar outro ritmo com menos fila. Dança de salão tem máfia também, é um negócio, tem regras e mais regras. No final eu vi uma senhorinha de uns 80 anos dançando com o assistente na maior disposição. Ela não errou nenhum passinho e quase abriu um espacate no chão, achei o máximo. O assistente ficou até o fim da música com ela e teve até uns aplausos bem merecidos.
A senhorinha cumprimentou os colegas e foi pegar a bolsa na mesa do meu lado pra ir embora. Aí eu vi que junto com a bolsa estava também um senhorzinho, que devia ser o marido.