13 de set. de 2009

Roupa velha

No fundo do armário
Em baixo daquelas caixas
Um embrulho envelhecido e perfurado pelas traças
Está seguro ali mantido
Em nome de alguma precisão
A previdência não é cara
Tampouco a preocupação
Viro os olhos pra lembrar
Quando foi a última vez
Que despi o meu orgulho pra provar a insensatez
Que lembrei que o medo é maior que o número trinta e seis
Que a coragem embrulhada já tem cheiro de bolor
Já não respira abafada
Não mais reage apertada
Nem tem cara de desafio
Está ali pra nada, parada
Comida, fedida e entulhada.
No dia em que for vestí-la
Será lavada, passada e tingida
Talvez preta ou colorida
Será usada e pendurada
Junto das outras roupas da vida.

5 de set. de 2009

A roda

Amarraram o homem de um jeito a deixar suas pernas livres e as mãos atadas uma a outra atrás das costas, unidas a uma outra corda que era presa no pescoço.
Jamais em sua vida ele olhou as coisas daquele jeito. O jeito que um aleijado pode enxergar sua situação do pior ângulo. E o medo de não sair daquela condição.
Era escuro, os outros o prenderam a uma roda de madeira movida à tração animal e o fizeram andar e andar a noite toda. Nem lhe importou não saber porque o faziam andar, mas como não andar mais.
O dia foi surgindo entre as frestas do galpão. A cela tomava contornos tristes. O chão de pedras gastas, os montes de feno espalhados, os ratos, o teto que ameaçava desabar a qualquer tempo. Seus pés cederam ao cansaço, sentou-se.
Logo chegou o algoz e lhe ameaçou castigo. O homem levantou-se e recomeçou a caminhar no chão que caminhara a noite toda, fez-se uma pausa pra se alimentar e continuou ali a girar, decorando cada canto do local. As foices, ancinhos e pás jogadas, a carroça quebrada e os ratos roendo os restos do almoço. Vontade de fugir, ódio. Era o tratamento dado aos bois que comiam e andavam, comiam e andavam. O que queriam dele?
Dias incontáveis se passaram até que o homem desistiu de pensar, de se revoltar, de olhar para os lados. O carrasco vinha e cumpria as ameaças. Depois de 68 voltas, vinha o almoço. Depois de 231 voltas, o jantar. Seus pés náo desejavam mais fugir. Suas mãos atadas dormiam. O homem era um boi.
O carrasco pensou em abatê-lo e dá-lo aos porcos, dividiu a idéia com o homem.
O homem apenas disse: corte meus pés.
Na liberdade lúcida de hoje, o homem ainda roda numa cadeira.