5 de set. de 2009

A roda

Amarraram o homem de um jeito a deixar suas pernas livres e as mãos atadas uma a outra atrás das costas, unidas a uma outra corda que era presa no pescoço.
Jamais em sua vida ele olhou as coisas daquele jeito. O jeito que um aleijado pode enxergar sua situação do pior ângulo. E o medo de não sair daquela condição.
Era escuro, os outros o prenderam a uma roda de madeira movida à tração animal e o fizeram andar e andar a noite toda. Nem lhe importou não saber porque o faziam andar, mas como não andar mais.
O dia foi surgindo entre as frestas do galpão. A cela tomava contornos tristes. O chão de pedras gastas, os montes de feno espalhados, os ratos, o teto que ameaçava desabar a qualquer tempo. Seus pés cederam ao cansaço, sentou-se.
Logo chegou o algoz e lhe ameaçou castigo. O homem levantou-se e recomeçou a caminhar no chão que caminhara a noite toda, fez-se uma pausa pra se alimentar e continuou ali a girar, decorando cada canto do local. As foices, ancinhos e pás jogadas, a carroça quebrada e os ratos roendo os restos do almoço. Vontade de fugir, ódio. Era o tratamento dado aos bois que comiam e andavam, comiam e andavam. O que queriam dele?
Dias incontáveis se passaram até que o homem desistiu de pensar, de se revoltar, de olhar para os lados. O carrasco vinha e cumpria as ameaças. Depois de 68 voltas, vinha o almoço. Depois de 231 voltas, o jantar. Seus pés náo desejavam mais fugir. Suas mãos atadas dormiam. O homem era um boi.
O carrasco pensou em abatê-lo e dá-lo aos porcos, dividiu a idéia com o homem.
O homem apenas disse: corte meus pés.
Na liberdade lúcida de hoje, o homem ainda roda numa cadeira.

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