28 de nov. de 2007

Algumas Caipirinhas

Outro sábado na fila, só quero ver quem vai aparecer hoje. Vou ficar atrás do pilar.

-Ooooooi, gata! Nem te vi quando passei de carro aqui na frente pra dar uma espiada na fila.

-Você veio com quem?

-Com o Marcinho, a Lia e a Rosana. A gente encontrou o Carlão no posto com a Duda, comprando cigarro. Acho que eles vêm pra cá também hoje.

-Ah, mas eu vou entrar porque já liguei pra Carol e ela já tá lá dentro. Mais uns 20 minutos e a gente vai. Entra aqui na minha frente, passa aí por baixo do cordão...

-Tá, fica na minha frente.

30 minutos depois...

-É R$20,00 de consuma ou R$15,00 de entrada.

-Tudo bem, marca 20 que eu tô a fim de me estragar.

Tunts tunts tunts tunts tunts tunts unts tunts tunts tunts tunts tunts tunts tunts tunts

-Vamos pro bar.

-Ahhh, já? Queria dar uma espiadinha antes.

-Não acredito que você veio aqui pra encontrar aquele cara. Sabia meu, sabia que você tava pescoçando a fila toda procurando ele. Você não aprende não? Parece que gosta de apanhar!

-Meu, calma! Eu não vim pra encontrar ninguém. Eu vim pra dançar e ver vocês. Tava precisando sair um pouco pra desencanar...

-Tá, vou fingir que acredito...Agora vamos pro bar.

-Vamos, que você vai beber?

-Uma tequila e vc?

-Uma cerveja mesmo...

-Ai, não acredito. Cara, olha quem tá ali perto do banheiro.

-Putz, tinha certeza que ele ia estar aqui. Será que ele tá sozinho? Tomara que sim, acho que eu não vou aguentar se ele estiver com alguém...

-Querida, não olha agora mas acho que ele viu você.

-Vou fingir que não vi nada, dissimula, dissimula...

-Ele tá fazendo tchauzinho pra mim, vira aí, cumprimenta ele pelo menos. Mostra que você não tá nem aí...

-Isso, gata...Agora vamos pra pista.

-Não meu, vou tomar uma caipirinha.

-Você comeu antes de vir?

-Comi um pacote de Doritos no carro, só. Mas eu quero beber.

-Oooolha, cuidado hein. Vou esperar sua caipirinha e vamos pra pista.

-Quem é aquela vaca com ele? Por acaso é a Joyce, secretária da escola de inglês dele?

-Não sei, nunca vi aquela menina.

20 minutos depois...

-Garçon, outra de vodka com morango.

-Calma, fia. Você vai ficar mal.

-Dane-se. Agora eu vô bebeeeer meeeesmo. Não devo nada pra ninguém...Vamos no banheiro.

-Vamos, vamos...

No banheiro...

-Cara%*$, Tati. A mina é muito baranga!! Não to acreditando!! Logo ele que dizia que tinha controle de qualidade. Que de quinta! Que fundo de poço! Tô passada...

-Calma, July. Relaxa...Você tem que ser forte, amiga. Esse cara não te merece. Você fez tudo por ele, foi super decente. Que ele te deu em troca? Olha só, não chora não. Você linda, gostosa. Dá de 10 naquela ridícula. Eu sei que hoje você conhece alguém bacana e dá o troco nele. Mostra pra ele que a fila andou. Que você é superior!

-Ah, tô arrasada. Cadê minha caipirinha?

-Você tomou toda. Vou pegar outra lá.

-Ai amiga, só você me entende. Brigado viu. Te adoro.

-Também te adoro, querida. Vamos lá, pára de chorar e bola pra frente.

-Vamos. E seu gatinho não ia te encontrar aqui?

-Ia, aliás, liguei no celular dele e deu caixa.

-Liga de novo. Enquanto isso, vou até o bar pegar outra bebida, quer algo? Espera aí.

20 minutos depois...

-Gataaaaaaaa, acho que hoje eu tô com mel! Na hora em que eu tava no bar, conheci um cara muito gato, perfeito. E o talzinho me viu conversando com ele e fez maior cara feia. Adorei, adorei! O carinha do bar ficou me dando umas entradas e eu ali, toda poderosa! Hahahahahaha!

-Nossa, que tudo! Vamos finalmente curtir a noite!! Vamos lá pro bar e você me apresenta pro tal gatinho. Depois vamos procurar o Henrique.

-Henrique, o carinha que conheci no bar também é Henrique!

-Nossa, é o destino então. Até nisso a gente combina!

Chegando no bar...

-Oi, Henrique!

-Você??? Te procurei a noite toda! Que houve com o celular? Então você deu em cima da minha amiga? Seu cafajeste! Nunca mais quero te ver na vida!

-E você, sua vaca! Dando em cima do meu homem, se achando, rebolando e querendo que todo mundo te olhe. Você é ridícula, vulgarzinha, burra!

-Quer saber, vocês dois se merecem! Dois galinhas! Tô indo embora!

-Calma, Tati. Não aconteceu nada. Você tá louca! Eu apenas conversei com a sua amiga. E eu não sabia que era sua amiga.

-Ahhh, quer dizer que se não fosse minha amiga estava tudo bem?

-Não, não é isso não...Você não entendeu.

-Tati, eu não sabia que ele era seu rolo, me desculpe!

-Que desculpa o que, daqui pra frente nem quero mais te ver! Oferecida!

-Tchau pros dois.

-Moço, queria uma de kiwi com vodka. E você, Henrique?

-Ah, uma tequila. Dupla.























27 de nov. de 2007

A Camisola Vermelha

Certo dia, Maria acordou menos nervosa com a vida. Esticou os braços para alongar o sono e respirou tranquila as nove da manhã.
Ela pensou que não queria mais cuidar da casa, não queria mais olhar os filhos e que aquela história de viver na miséria por orgulho já deu o que tinha que dar, afinal, tanta briga depois dos cinquenta anos realmente não valia a pena. Achou que ela tinha mesmo que converter suas economias em roupas, perfumes, hidratantes e um pijama de seda que estava namorando fazia tempo.
Nem uma gota de remorso ela sentiu. Tomou café assistindo a Record e comeu 3 fatias de panetone.
Vestiu-se com o vestido novo de viscose, escovou o cabelo e maquiou-se, arrematando a produção com duas espirradinhas de perfume francês que guardava somente pra ocasiões especiais. Saiu para a rua dirigindo seu carro novo, para o shopping mais caro da cidade.
Almoçou comida japonesa, experimentou sapatos em cinco lojas e comprou 2 cds de música brasileira. Tomou sorvete de Tiramissu e por fim, parou na loja de lingerie para ver o tal pijama.
Era uma camisola vermelha florida, com o robe combinando. Tinha também os chinelinhos de pelinhos vermelhos, com saltinhos. Dignos de divas de novela.
Comprou à vista sem se preocupar e saiu da loja feliz, segurando as alças da sacola com imenso prazer.
Maria voltou pra casa e esticou o pijama vermelho em cima da cama de casal. Espirrou perfume nele. Lembrou-se de uma entrevista com Hebe Camargo, onde ela confessava não conseguir dormir sem passar um certo perfume francês antes. Sentiu-se um pouco Hebe Camargo e foi tomar seu banho de espuma ouvindo os Cds novos no banheiro.
Quando o filho chegou para o almoço, encontrou Maria passando batom nos lábios e cantarolando. Perguntou onde ela ia.
Ela disse que ia ao cinema, depois ia sair com um amigo. O rapaz estranhou, mas calou-se. Só deteve seu olhar na camisola vermelha em cima da cama e imaginou o que realmente sua mãe estava tramando. Resolveu deixar pra lá e viver sua vida. Ele preferia imaginar sua namorada de camisola do que a sua mãe, afinal de contas.

21 de nov. de 2007

Burlesco

Outro dia me pediram um café pequeno, fraco e doce. Não gosto. Gosto de café de bêbado, forte e quente, pouco adoçado.
Tinha acabado de varrer a calçada das folhas da pata-de-vaca que não venciam de cair. As pombas faziam a festa sobre o telhado, comendo as frutinhas que saíam das vagenzinhas marrons. Chegavam a irritar com o sapateado de suas patinhas sujas nas telhas de fibra.
Sentei na cadeira da cozinha, peguei meu livro de passatempos da Coquetel. Eu lutava pra não olhar nas resoluções da última página. Fiquei martelando aquela palavra que faltava para completar a parte de baixo da cruzadinha: Burlesco.
Eu me dei conta que não tinha a mínima idéia do que significava esta palavra.
O telefone tocou. Não ouvi. Tocou cinco vezes. Não consegui soltar a caneta. Batia a ponta no quadrinho em branco. Não sei, parece que o mundo parou e nada mais importava senão o burlesco.
Tive a tentação de correr pro dicionário. Não, calma. Tentarei a transversal: Hipotético. Demais.
Ah, a outra transversal é: Mulher da Classe A. Essa eu sei: Rica.
É uma charada silábica. O sinônimo de burlesco começa com CA.
A panela de pressão começou a apitar. Nem liguei. Aliás, o feijão que queimasse. Não tinha ninguém pra comer em casa hoje. Burlesco. CA-QUE. Tinha quatro sílabas. Os dedos roçavam a última página. Não, espera.
Hipotético cruza com o cume da montanha: Pico. Hipotético termina com CO. Droga, não sei.
Tá, Hipotético: Suposto, Variante, Teórico! TE-O-RI-CO.
Já tenho a segunda sílaba: RI.
A campainha está tocando. Vou fingir que não estou. O homem que vende sacos de lixo passa todo santo dia nessa hora. Não preciso.
Burlesco significa algo : CA-RI. Não sei. Martelo de novo a ponta da caneta no quadrinho branco.
Vou olhar no dicionário da Marina, no quarto dela. Olhar na última página, jamais.
B, Ba, Be, Br, Bu. Burlesco: Paródia, Ridículo, Caricato. Achei!
CARICATO!
Corri para preencher as lacunas burlescas da página 21, silábica. Aproveitei pra colocar a panela na água fria e atender o telefone.
Sentei de novo na mesinha e outro desafio me encarava: Como morreu Luís XVI? A segunda sílaba é CA, do Caricato.

13 de nov. de 2007

Paciência

Chegou o chefe. Com aquela cara de pouco amigos. Bateu a porta atrás de si provocando uma corrente de ar que derrubou os papéis da mesa. Ele reclamava da conta de água, que tinha chegado à R$300,00 no mês passado e depois que pegou um café, sentou-se na cadeira de interlocutor da recepção e pôs-se a desfiar seus problemas mais recentes para Wânia, a secretária.

-A vida tá difícil, sabe? O condomínio subiu, a conta do restaurante subiu, o seguro do meu carro, da minha moto, da minha casa na praia e do meu apartamento também subiram. Estou bem preocupado.

-Nem me fale, Doutor. Lá em casa, cortamos a despesa do supermercado pela metade.

-Mas então, como eu dizia: Minha mãe foi internada semana passada com a diabete lá na estratosfera. Lá vai dinheiro com remédios pra ela.

-Meu filho está com dengue. Domingo passamos o dia todo no hospital com o coitadinho. Eu fico aqui no escritório com o coração na mão.

-E minha restituição do imposto de renda não ajudou em nada. Ainda tenho 5 prestações do Home Theater pra pagar...E esse mês, se não for sorteado no consórcio da lancha, desistirei.

-E eu tenho que acertar o carnê da C&A porque já tão me ligando faz 3 semanas!

-Bem, Wânia, o segredo de tudo é a paciência.

-É verdade, Doutor. Acredito em Jesus e na vontade de Deus. Temos que ter paciência e confiar.

-Poisé.

O chefe termina o café e sobe para a sala dele pra jogar uma partidinha de Paciência. Já a Wânia preferiu o Campo Minado.

9 de nov. de 2007

Vodka

Tenho algumas reclamações sobre meu marido. Eu o odeio. Ele tem essa mania nojenta de não ter opinião. Ele me irrita profundamente. Chego a ficar cega de ódio e ponto de querer sufocá-lo com um saco do Carrefour. Tenho pena dele, ele é tão patético. Esse vício podre e imundo de assistir programas policiais e as conversas ridículas dos amigos ridículos dele, sobre as porcarias das revistas científicas e o último congresso de Cosplays do Star Wars. Como eu ODEIO Star Wars! Aquele amigo panaca que se veste de Darth Vader e leva o filho de 5 anos junto, vestido de Mestre Yoda. Puta falta do que fazer. Por que não vão arrumar uma vida pra viver??
Toda vez que ele sai vestido de Trooper, me dá um nó no estômago e um gosto amargo na boca. Vontade de jogar aquele capacete de merda pela janela do décimo andar.
Ele chegou. Vou esconder esse caderno e fingir que estou lendo.

-Olá, minha princesa.

-Oi. (Princesa? Que cafona)

-Como foi seu dia?

-Normal, cheguei às 5, tomei um banho e agora estou descansando. (Agora ele perguntará do jantar)

-Descansando...O que vamos jantar hoje?

-(Que previsível!) Não sei, tem a pizza de ontem e você pode fazer um miojo também. Tem um resto de vinho na geladeira, se quiser. Não vou comer, não estou com fome.

-Certo, minha querida. Não vai perguntar como foi meu dia?

-
Ah, é. Como foi seu dia? (Que saco...)

-Meu dia foi ótimo. Encontrei o Joca na rua e marcamos de almoçar amanhã. Ele me contará sobre sua viagem a Machu Pichu. Mal posso esperar. Você pode ligar na ESPN pra assistirmos o campeonato de snooker feminino?

-
Sim, vou ao banheiro e já volto.


O psicólogo fala pra eu não me preocupar porque é uma crise passageira. Eu não sei. Estou agora trancada no banheiro com esse caderno e não sinto vontade de voltar para a sala e assistir o snooker enquanto meu marido baba no meu pijama. Vou trocar de roupa e sair. Talvez ele não perceba.


-Vai sair, minha fada?

-Vou. Vou comprar cigarros. (Que desculpa imbecil)

-E pra que levar a garrafa de vodka?

-Vou dá-la ao porteiro, acho que ele está se sentindo meio sozinho. E temos mais três em casa.

-Certo, pitchuca. Não demora, tá?

-Tudo bem.

5 de nov. de 2007

Paranóia Encanada

A campainha toca

- Quem é?

-O zelador.

-O que quer?
Não tenho dinheiro hoje.

-Quero ver o encanamento do banheiro, o senhor permitiria?

-Você tem um mandado?

-Não, há um vazamento no andar de baixo. Preciso vistoriar.

-Eu não abro sem mandado. Estou ligando pro meu advogado.

-Não tem necessidade, meu senhor. Por favor, me deixe entrar...

-Eu conheço essa história. Vocês entram na casa dos outros, mexem em seus encanamentos, vasculham nossa vida. Eu sei de tudo, eu sei da conspiração! Não deixarei nenhum encanador roubar a minha vida.

-O senhor está exagerando. Agora, por favor. Não temos o dia todo!

-Não abrirei a porta, não adianta. Chame a polícia se quiser.

-Como quiser, senhor.

Minutos depois, o zelador volta a tocar a campainha, dessa vez com uma conta de luz nas mãos.

-Quem é?

-Detetive Palhares, Polícia Militar -Assuntos de Serviços Gerais. Senhor Alvarenga se encontra?

-Pois não, Detetive. É ele.

-O senhor faça o favor de abrir a porta?

-O detetive tem mandado de busca?

-Claro que tenho, aqui está: (Mostrando a conta de luz no olho mágico).


Silêncio. A porta se abre.


-P-Posso saber do que se trata?

-Verificamos que seu apartamento está causando problemas. Estou investigando a vizinhança e concluí que o senhor está encrencado.

O senhor Alvarenga fica pálido e deixa-se cair sentado na poltrona enquanto o detetive Palhares continua seu parecer:

-Há um grave entupimento no seu ralo do banheiro. Teremos que chamar a equipe forense para analisar os fragmentos encontrados no seu box, senhor. Enquanto isso, recomendo que o senhor não saia da cidade. É um conselho de amigo.

O detetive então chama seu assistente que isola o banheiro com uma fita amarela listrada de preto. O senhor Alvarenga começa a pensar em ligar para seus parentes de Botucatu perguntando se poderia passar uns dias por lá, mas logo entende que melhor seria ligar para seu advogado. Fugir seria uma confissão de culpa.




























1 de nov. de 2007

The Amazing Race

O dia a dia de Christa, a senhora de 64 anos que trabalha como office-boy do escritório, não é nada monótono.
Como variante da expressão que mais tarde virou uma profissão e tem piso salarial, Dona Christa deveria delicadamente ser chamada de: office-lady.
Decoradora aposentada, ela vem e volta todos os dias de ônibus pelo corredor da Santo Amaro até a São Gabriel, caminhando o resto do percurso até sua casa.
Nos vemos quase diariamente e ao chegar, quando tomamos nosso primeiro café, ela me conta sua última aventura.
São histórias urbanas que esboçam um pequeno manual de como sobreviver no trânsito de São Paulo. Uns dias ela chega chorando, outros às gargalhadas. E eu já olho e pergunto qual foi a odisséia do transporte público da vez.
São cruzamentos fechados, carros em fila dupla, conspirações de motoristas rivais, auxílio de onde menos se espera, baratas causando histeria coletiva dentro ônibus...Cada vez mais a diversidade de eventos se multiplica e minhas manhãs são sempre enriquecidas.
A Dona Christa talvez nem saiba o que é um blog. Mas ela é valente e não se dobra à idade que avança mais à medida que os filhos envelhecem e sai com seu namorado aos fins de semana, beberica sua caipirinha merecida e cultiva suas plantinhas em seu apartamento que não tem tv a cabo e nem conexão banda larga.
Na segunda-feira sai pela rua com sua pastinha com documentos, correndo atrás do ônibus Paraisópolis pra integrar mais uma cena de seus contos reais.