28 de mar. de 2009

Fragmento do dia (noite) de hoje

Eu deveria estar dormindo porque tanto faz pensar que a vida nesta vizinhança não faz sentido e que eu estive durante seis horas seguidas aqui, nesse mesmo quadrado iluminado forrado de papéis, desenhos e pilhas de livros.
Eu gosto da aparência deles, alinhei pelos tombos e organizei por assunto os que ficam logo acima da minha cabeça. Lembrei de como a ordem me era estranha tempos atrás e de como eu me confortava na mais absoluta balbúrdia.
Deveria ir pra minha cama ao invés de refletir sobre como se processam as mudanças e sobre como ouvir as pessoas falarem difícil me fez querer aprender a falar também, pra seguir o ritmo do mundo.
É tão estranho perceber que algumas coisas não me incomodam mais, como não ter roupas pra trocar ou não ter mais a minha coleção de CDs que foram roubados. Parece que disso eu não sinto falta. Parece que não sinto falta de nada. Nem de ficar acordada até tarde pela rua, nem de dirigir bêbada e nem de atrair a atenção de uma forma desesperada como eu acho que eu fazia.
Ninguém quer saber, eu sei, nem eu quero saber. Eu não estou lá dormindo porque tem um cão uivando embaixo da minha janela e logo um rapaz que está acordado até tarde pela rua passará de novo com seu gol quadrado fazendo aquele barulho característico de subúrbio.
Como eu sou injusta, chamo de subúrbio a rua onde moro simplesmente porque não gosto dela e nunca gostei. Eu acho que gosto de uma rua que não conheço ou que não existe. Uma rua nem tão deserta, pra eu não me sentir sozinha e nem tão movimentada pra eu não me sentir em um subúrbio. Tanto faz.
Eu conheço gente que não reclama de nada e conheço gente que não reclama das mesmas coisas que eu. Eu também conheço gente que faz um esforço tremendo para não reclamar de nada quando no fundo quer dizer que está puto por esse, esse e esse motivo. Parece que reclamar pega mal, as pessoas que ouvem nem sempre ou nunca estão interessadas no que você tem pra se queixar ou de como anda sua vida. As pessoas nunca estão realmente interessadas, a não ser que a sua vida renda uma boa história para ser passada adiante onde você é um maluco conhecido delas.
Eu por exemplo não estou realmente interessada, honestamente, nada interessada. Meu interesse é justamente resolver a minha vida. Isso me intriga profundamente, o tanto de insatisfação que eu vou ter que levar a cada dia pra poder um dia acordar e sentir que não me importo mais com nada. É verdade, esse dia vai chegar.
Vai chegar pra mim, pra você e até para o cara do gol quadrado, se Deus quiser. Nesse dia quem sabe ele compre um gol bolinha e eu não me sinta mais uma suburbana. Nesse dia eu provavelmente estarei dormindo depois de tomar um bom banho e de ler um bom livro e em paz, por não ter que interessar a ninguém.