29 de jan. de 2012

Menina do cabelo roxo

Minha amiga me contou que sua sobrinha mais velha, que eu conheci aos cinco anos de idade havia se ferido ao tentar fazer um piercing em casa com uma caneta sem carga.
Sua mãe descobriu o ferimento durante um passeio no shopping e perdeu o controle, proibindo a menina de sair, usar a internet, pintar o cabelo de roxo, usar maquiagem preta nos olhos, ouvir Ramones no último volume e usar o celular por sete dias.
Ela usava uma camisa xadrez e continuava com os os olhos pintados e o cabelo quase roxo, quase branco nos pedindo discretamente para levá-la ao Hangar 101, bar onde haveria um show cover do Ramones em comemoração aos dez anos da morte de Joey Ramone.
Perguntei na hora se já faziam dez anos que ele tinha morrido. Nossa, já? É possível que eu a conheci no exato ano em que ele morreu. O tempo passa mesmo, não consigo olhar pro meu rosto e me sentir uma mulher.
A tia comentou que não é possível que seus cabelos voltem ao normal, já que ela fez uma escova progressiva e descoloriu com água oxigenada de todos os volumes possíveis. Eu disse a ela: - A menina vai voltar, calma. Os cabelos encaracolados e castanho-claros da menina vão voltar, você vai ver.
Pedi a ela pra ver o furo que ela fez com a caneta, ela mostrou meio de lado, como um troféu de rebeldia. Disse que a mãe marcaria uma cirurgia plástica para remendar o estrago. Mas que estrago, não tinha nada além de uma orelha furada e vermelha, isso cicatriza num segundo.
-Sua mãe disse isso porque estava brava- disse a ela, tentando quebrar o clima de tragédia adolescente que ela estava querendo criar. - Hmm, e de que bandas mais você gosta, garota dos cabelos roxos?
-Eu gosto de Sex Pistols, Megadeth, Metallica...
-E quantos anos você tem mesmo?
-Tenho quinze.
Lembrei de como era pamonha com essa idade e concluí que a menina tinha amigos mais velhos e diga-se de passagem, de muito bom gosto.
A mãe e a tia nos assistiram pegar os meus cds do Metallica escangalhados no carro e falar para a menina ouvir os primeiros, se ela queria ouvir o melhor de uma banda que considero histórica mas não sou tão fã. -São cópias mp3, se quiser, pode ficar. Disse.
A mãe já se arrepiou de inconformismo e me olhou com reprovação por estimular a cultura do rock na menina, o que parecia tão negativo. Não visitava aquela família há pelo menos um ano e já me metia com a educação dos filhos...Só fiz o que minha vontade de recusar a censura me mandou.
Me espanto com a necessidade de criar vínculos que temos. Uma adolescente perdida com seus pensamentos, fã de bandas antigas e com atitude suficiente para perfurar a própria orelha sozinha a sangue frio, merece toda a minha atenção e carinho. Já que durante um momento de minha vida eu posso ter sido assim, incompreendida, ou com uma imensa vontade de ser diferente, original, de mostrar coisas ao mundo chocando as pessoas ao meu redor.
Com o canal aberto para a fala de igual para igual, ela me confidenciou que sua mãe suspeitava que ela usasse drogas. Eu perguntei de sola : - E você usa?
Ela me olhou nos olhos e disse: - Não! Mas eu tenho um amigo que é bem maconheiro, ele já está lesado de tanto fumar...
-E quantos anos tem esse amigo?
-Tem quinze.
-Interessante...Acredito que você não use drogas mas também acredito que já experimentou...Posso pensar assim sobre você ou estou errada?
-Ah, mas eu não uso drogas, eu só estava lá e...
-Melhor sua mãe não saber, mas você garota, tem um cérebro bom demais para ser queimado com essas porcarias, não é? Eu sei que sim, você é a mais inteligente de todas e ainda gosta do Ramones!
Me senti uma pregadora hipócrita, mas tinha o dever moral de dizer que esse caminho não serve para ela. O que posso fazer, sendo mãe e adulta interessada na boa formação de pessoas para o mundo. Não posso salvar, condenar, palpitar...
Posso recomendar bons albúns, filmes, vídeos, ver shows e dizer pra usar camisinha. Querer futuro, ambicionar carreira, dinheiro, sonhar com casamento não é coisa para ela...Não ainda. Ela vive em seu mundo onde eu vivi a um tempo atrás, um tempo temporário e nebuloso, chamado adolescência. Um tempo que é bom curtir, onde a arte e a atitude pulsam, onde a criatividade floresce dos sonhos, das despreocupações, das irresponsabilidades, do caos emocional que o nosso corpo se encontra. Para que a censura? Para que o militarismo e hipocrisia. Que ela possa pintar seus cabelos de rosa, roxo ou amarelo sempre e sempre ter cabelos encaracolados embaixo de tudo.
Ser uma cabeça pulsante, social e carente como é, com a lembrança de que tudo o que fizer agora estará plantado em sua vida como uma história muda ou repetida que ela não deixou de viver e que será sua para sempre.

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