Ricardo coçou a cabeça, impaciente. Aquele quarto parecia tão pequeno...
José e Martinha estavam dormindo em seus respectivos quartos e Wanda não parava de falar.
Jogava-se na cama, de tempo em tempo, de costas, como se não houvesse cama ali e ela se jogasse de costas para o nada.
Ricardo, sentado na poltrona de leitura, olhava-a disfarçadamente por cima do livro como se estivesse absorto na leitura. Eram crônicas de um autor russo, mas ele só notava o movimento de Wanda, que cansara de jogar-se na cama e tinha começado uma nova modalidade de dança com seus milhares de lenços de cabelo.
“Me casei com uma maluca” , pensou. Ela cantava, rodopiava os lenços no ar, dava saltos de ballet, olhava-se no espelho, enchia os lábios de batom e voltava a dançar.
Ela dizia: “Venha comigo, vamos dançar!”. Segurava o marido pela mão e jogava seus lenços em cima do livro dele. A princípio foi irritante, depois, o livro foi fechado.
Ricardo estava exausto de memorizar os nomes dos personagens russos que mudavam conforme cresciam, olhou a figura no meio do quarto, bagunçando os chapéus, provando óculos escuros e cantando o repertório inteiro do Chico Buarque. Ele riu de lado e disse para ela: “Você é mesmo uma doida”.
“Não sou doida, meu amor”, disse ela. E arrematou com um “Vem cá, vem se fantasiar comigo”.
Ele relutou, mas aceitou, afinal, estavam sozinhos. Logo estava ele com sua roupa de mergulho, cantando “A Rosa” do Chico. E agora, os dois rodopiavam e gargalhavam trocando de chapéus, trocando de sapatos, imitando os trejeitos de Elis Regina e Maria Betânia. Ricardo agora vestia camisa branca, marcada dos beijos de Wanda no colarinho. Perfumaram-se e dançaram tango. Wanda tinha uma escova de cabelo na boca, que fazia as vezes da rosa. E riam, riam alto. Tão alto que as crianças bateram na porta, bem no momento em que faziam amor. Ela vestida de columbina do carnaval passado e ele com seu terno xadrez.
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