Certa noite de sexta-feira procurei por algumas bolachas jogadas no chão do carro no balanço diário das sobras que se acumulam nos cantinhos. Eram nove horas e eu tinha fome. Sabe-se lá quantos germes, bactérias, fungos e afins vivem aglutinados naquele pó ou se as bolachas tivessem sido alimento de algum animal estranho e fedido que deixa seu cheiro de vez em quando por lá. Melhor eu não saber.
Seguia caminhando pela calçada, com a chave na mão para desativar o alarme e notei um casal tendo uma discussão de relacionamento publicamente.
A mulher, juntava sacolas de plásticos variadas em seus braços. Devia ter uns 43 anos, pra mais. Tinha uma saia longa e um lenço amarrado na cabeça em forma de turbante.
O homem parecia mais novo e vestia uma bermuda jeans calça-cortada e estranhas botas que pareciam bem maiores que seus pés.
Ela grita pra ele, apontando para uma pilha de garrafas e latas espalhadas pela calçada:
-Râmo, home. Cata tudo isso aí.
-Tô catandu, calma mulé.
-Faiz uma hora que ocê tá catando. A gente ta assustando as pessoa.
O rapaz atrapalhava-se com tantas e garrafas vazias e poucos sacos. A mulher, sobrecarregada e impaciente, gritou:
-Você é um lixo!
Imediatamente o rapaz replicou de cabeça baixa.
-Eu não sou lixo, lixo é você.
A mulher do turbante, com despeito, atira suas sacolas no chão e vai de encontro com o rapaz que continua de cabeça baixa.
- Você não presta pra nada. Se não desse tanto trabaio essa coisa eu já teria ganhado mundo, suzinha.
O rapaz parece não se incomodar. Mas ela insiste:
-Eu digo, você é um lixo.
Ele a encara e diz:
- Eu não sou um lixo.
- Então, o que você é?
- Eu sou um catador de lixo.
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