Minha amiga me contou que sua sobrinha mais velha, que eu conheci aos cinco anos de idade havia se ferido ao tentar fazer um piercing em casa com uma caneta sem carga.
Sua mãe descobriu o ferimento durante um passeio no shopping e perdeu o controle, proibindo a menina de sair, usar a internet, pintar o cabelo de roxo, usar maquiagem preta nos olhos, ouvir Ramones no último volume e usar o celular por sete dias.
Ela usava uma camisa xadrez e continuava com os os olhos pintados e o cabelo quase roxo, quase branco nos pedindo discretamente para levá-la ao Hangar 101, bar onde haveria um show cover do Ramones em comemoração aos dez anos da morte de Joey Ramone.
Perguntei na hora se já faziam dez anos que ele tinha morrido. Nossa, já? É possível que eu a conheci no exato ano em que ele morreu. O tempo passa mesmo, não consigo olhar pro meu rosto e me sentir uma mulher.
A tia comentou que não é possível que seus cabelos voltem ao normal, já que ela fez uma escova progressiva e descoloriu com água oxigenada de todos os volumes possíveis. Eu disse a ela: - A menina vai voltar, calma. Os cabelos encaracolados e castanho-claros da menina vão voltar, você vai ver.
Pedi a ela pra ver o furo que ela fez com a caneta, ela mostrou meio de lado, como um troféu de rebeldia. Disse que a mãe marcaria uma cirurgia plástica para remendar o estrago. Mas que estrago, não tinha nada além de uma orelha furada e vermelha, isso cicatriza num segundo.
-Sua mãe disse isso porque estava brava- disse a ela, tentando quebrar o clima de tragédia adolescente que ela estava querendo criar. - Hmm, e de que bandas mais você gosta, garota dos cabelos roxos?
-Eu gosto de Sex Pistols, Megadeth, Metallica...
-E quantos anos você tem mesmo?
-Tenho quinze.
Lembrei de como era pamonha com essa idade e concluí que a menina tinha amigos mais velhos e diga-se de passagem, de muito bom gosto.
A mãe e a tia nos assistiram pegar os meus cds do Metallica escangalhados no carro e falar para a menina ouvir os primeiros, se ela queria ouvir o melhor de uma banda que considero histórica mas não sou tão fã. -São cópias mp3, se quiser, pode ficar. Disse.
A mãe já se arrepiou de inconformismo e me olhou com reprovação por estimular a cultura do rock na menina, o que parecia tão negativo. Não visitava aquela família há pelo menos um ano e já me metia com a educação dos filhos...Só fiz o que minha vontade de recusar a censura me mandou.
Me espanto com a necessidade de criar vínculos que temos. Uma adolescente perdida com seus pensamentos, fã de bandas antigas e com atitude suficiente para perfurar a própria orelha sozinha a sangue frio, merece toda a minha atenção e carinho. Já que durante um momento de minha vida eu posso ter sido assim, incompreendida, ou com uma imensa vontade de ser diferente, original, de mostrar coisas ao mundo chocando as pessoas ao meu redor.
Com o canal aberto para a fala de igual para igual, ela me confidenciou que sua mãe suspeitava que ela usasse drogas. Eu perguntei de sola : - E você usa?
Ela me olhou nos olhos e disse: - Não! Mas eu tenho um amigo que é bem maconheiro, ele já está lesado de tanto fumar...
-E quantos anos tem esse amigo?
-Tem quinze.
-Interessante...Acredito que você não use drogas mas também acredito que já experimentou...Posso pensar assim sobre você ou estou errada?
-Ah, mas eu não uso drogas, eu só estava lá e...
-Melhor sua mãe não saber, mas você garota, tem um cérebro bom demais para ser queimado com essas porcarias, não é? Eu sei que sim, você é a mais inteligente de todas e ainda gosta do Ramones!
Me senti uma pregadora hipócrita, mas tinha o dever moral de dizer que esse caminho não serve para ela. O que posso fazer, sendo mãe e adulta interessada na boa formação de pessoas para o mundo. Não posso salvar, condenar, palpitar...
Posso recomendar bons albúns, filmes, vídeos, ver shows e dizer pra usar camisinha. Querer futuro, ambicionar carreira, dinheiro, sonhar com casamento não é coisa para ela...Não ainda. Ela vive em seu mundo onde eu vivi a um tempo atrás, um tempo temporário e nebuloso, chamado adolescência. Um tempo que é bom curtir, onde a arte e a atitude pulsam, onde a criatividade floresce dos sonhos, das despreocupações, das irresponsabilidades, do caos emocional que o nosso corpo se encontra. Para que a censura? Para que o militarismo e hipocrisia. Que ela possa pintar seus cabelos de rosa, roxo ou amarelo sempre e sempre ter cabelos encaracolados embaixo de tudo.
Ser uma cabeça pulsante, social e carente como é, com a lembrança de que tudo o que fizer agora estará plantado em sua vida como uma história muda ou repetida que ela não deixou de viver e que será sua para sempre.
azeite se puder
29 de jan. de 2012
14 de jul. de 2011
Amarilis
Certo dia, acordada depois das oito da manhã, não mais pertencia aos dias.
Estava coberta de lama, dos pés à cabeça e sorria da cor marrom brilhante estalando em rachaduras por causa da luz do sol.
Logo mais a lama deslizava entre os dedos que a amassavam com carinho para depois esprême-la, esmagá-la com a palma da mão e assim vê-la tomar outra forma igualmente bela.
Saindo de minhas mãos podem ser qualquer coisa, não só minhas, mas de todos.
Desprendo cascas que secam do corpo, estas sobem ao ar formando terna nuvem luminosa. Ali meus pedaços eu deixo, no pó.
Plantar num vaso aquela Amarilis. Seu bulbo seco e rebrotado dobrou em outro bulbo que se avisinhou no mesmo vaso. As pás e tesoura descosturam a preciosa criatura para cabê-la num vaso de barro. Meu vaso que rachou depois de não poder mais se sustentar.
Quero que nasçam raízes nas rachaduras, quero ver o sacrifício da planta procurando comida nos ares, nos vãos que deixei com meus dedos. Forço os bulbos gêmeos para dentro do vaso que não quer contê-los.
Meus dedos os empurram com a força em que cavo meu espaço. O vaso arrebenta deixando cair uma parte. Sufoco as raízes com força, quero fazê-las nascer ali, fazer nascer a flor no verão, nas ruínas do recipiente.
Será belo, eu quero. Nascerá uma única flor depois que estiverem bem verdes suas folhas. Depois, irá dormir novamente acostumada com as janelas da nova casa.
Estava coberta de lama, dos pés à cabeça e sorria da cor marrom brilhante estalando em rachaduras por causa da luz do sol.
Logo mais a lama deslizava entre os dedos que a amassavam com carinho para depois esprême-la, esmagá-la com a palma da mão e assim vê-la tomar outra forma igualmente bela.
Saindo de minhas mãos podem ser qualquer coisa, não só minhas, mas de todos.
Desprendo cascas que secam do corpo, estas sobem ao ar formando terna nuvem luminosa. Ali meus pedaços eu deixo, no pó.
Plantar num vaso aquela Amarilis. Seu bulbo seco e rebrotado dobrou em outro bulbo que se avisinhou no mesmo vaso. As pás e tesoura descosturam a preciosa criatura para cabê-la num vaso de barro. Meu vaso que rachou depois de não poder mais se sustentar.
Quero que nasçam raízes nas rachaduras, quero ver o sacrifício da planta procurando comida nos ares, nos vãos que deixei com meus dedos. Forço os bulbos gêmeos para dentro do vaso que não quer contê-los.
Meus dedos os empurram com a força em que cavo meu espaço. O vaso arrebenta deixando cair uma parte. Sufoco as raízes com força, quero fazê-las nascer ali, fazer nascer a flor no verão, nas ruínas do recipiente.
Será belo, eu quero. Nascerá uma única flor depois que estiverem bem verdes suas folhas. Depois, irá dormir novamente acostumada com as janelas da nova casa.
1 de mai. de 2011
Domingo
Por que me seguem? Sem pistas do que sou, ando deslumbrada.
Sinto fome, a imensa fome. Nada me deixa saciada.
Deitada na cama, domingo à noite, o cobertor nos pés, minha velhice precoce acelera os pensamentos da semana. Nada tenho, nada temo. Tenho a mim, meus sonhos, minha estrada.
Há de haver fome, penso. Há de haver saciedade um momento ou outro quando sento em pedras e vejo as águas, quando sinto o sol batendo nas fachadas, quando pego o jornal pra fazer palavra cruzada.
Há de haver medo pra que a coragem seja encorajada. Há de haver pressa para não se atropelada, há de ver ciume para nao ser tão apegada. Há de haver alma para tanto.
Sussuro para ele: vá escovar os dentes.
Ele não vai. Quer me ler um trecho de sua revista. Eu quero ouvir pra me embalar no sono. Este mesmo sono induzido dos meus dias. Acordo quebrada e não sei de nada que fiz. Quem mandou dormir sedada? Parecia mais fácil do que rolar de um lado pra outro pedindo pra ser abraçada pelo torpor natural. Remédio que não cura, outro vício, outra medida equivocada. Ele vai adormecer e eu ainda não ouvi o artigo que ele quer ler. Seguro os olhos pra não cair, amanhã é segunda-feira mais uma vez.
Sinto fome, a imensa fome. Nada me deixa saciada.
Deitada na cama, domingo à noite, o cobertor nos pés, minha velhice precoce acelera os pensamentos da semana. Nada tenho, nada temo. Tenho a mim, meus sonhos, minha estrada.
Há de haver fome, penso. Há de haver saciedade um momento ou outro quando sento em pedras e vejo as águas, quando sinto o sol batendo nas fachadas, quando pego o jornal pra fazer palavra cruzada.
Há de haver medo pra que a coragem seja encorajada. Há de haver pressa para não se atropelada, há de ver ciume para nao ser tão apegada. Há de haver alma para tanto.
Sussuro para ele: vá escovar os dentes.
Ele não vai. Quer me ler um trecho de sua revista. Eu quero ouvir pra me embalar no sono. Este mesmo sono induzido dos meus dias. Acordo quebrada e não sei de nada que fiz. Quem mandou dormir sedada? Parecia mais fácil do que rolar de um lado pra outro pedindo pra ser abraçada pelo torpor natural. Remédio que não cura, outro vício, outra medida equivocada. Ele vai adormecer e eu ainda não ouvi o artigo que ele quer ler. Seguro os olhos pra não cair, amanhã é segunda-feira mais uma vez.
19 de jan. de 2011
O Cristo
O homem fotografava o monumento com um cigarro na mão. Tomou distância pra enquadrar o Cristo em frente a igreja. Uma mocinha aproximou-se pedindo o isqueiro.
O homem guardou a máquina e acendeu seu cigarro. A mocinha sorriu e encostou-se na mureta da praça. O homem encostou-se também fazendo um comentário sobre a beleza do local, visto que a mocinha também era turista. Aproveitou para fotografá-la com o Cristo ao fundo usando a máquina de seu celular. Ela sorriu feliz com seu batom vermelho para a foto, chamava-se Eduarda e estava ali esperando alguém chegar.
O homem era amável e galanteador, parecia entender de arte e ter viajado muito, Eduarda se sentiu cortejada. Coisa que algumas mulheres perderam a capacidade de sentir nos dias de hoje.Talvez porque vivem uma vida de não esperar mais que certas atitudes devam partir dos homens ou perderam a fé no amor, vai saber o que as pessoas pensam...
Domingos convidou Eduarda para um café, depois do segundo cigarro. Ela olhou para o lado, hesitante. Logo estão às gargalhadas e provocam alguns olhares aheios. Eduarda se cala e permite-se pensar em compostura. Logo Domingos percebe e pede que ela se livre de certos freios que a sociedade nos impõe. Eduarda vê grande sabedoria nas suas palavras, gostava de homens maduros e livres. Diferente dos homens com quem já havia estado, Domingos parecia seguro sobre o futuro, sobre o que tinha na vida, sobre a ideia de felicidade, leveza das coisas. Eduarda ficou encantada com a mente daquele homem e com o quanto poderia aprender com suas experiências, estava ali absorvida.
Domingos olhou pros olhos da moça e teve um pressentimento daqueles que tinha quando antevia uma encrenca.
Decidiu encerrar a conversa e pediu a conta. Disse que tinha de ir a um compromisso. Pagou os cafés e partiu.
Eduarda deixou as impressões sobre Domingos dominarem seus pensamentos. Pensou em sua falta de sorte.
Joana pediu licença para atender o telefone. Era seu namorado queixando-se de sua ausência. Guardou a câmera e sentou-se no banco da praça para convencê-lo de que era preciso passar um tempo com seu pai. André achou que ela estava fria demais. A discussão aumentou depois que Joana mencionou suas desconfianças. Joana virou o rosto e chorou no banco da praça, em frente a imagem do Cristo e à igreja colonial.
Joana pensou séria no amor. Nunca tinha sido tão sério assim. Precisava estar concentrada pra ser feliz, pra ter o que queria, chegar onde queria. André estava dando provas claras de que não pensava da mesma forma - Joana suspirou tomando seu sorvete de tiramissu.
Domingos aparece procurando Joana, dão-se os braços e falam das ruas, dos cafés, do passado, das enchentes de verão, de seus descompromissos. E foram assim cheios de risos por aí. Até o fim de tudo. Não importa nada, afinal, nada. Dizia ele...
O homem guardou a máquina e acendeu seu cigarro. A mocinha sorriu e encostou-se na mureta da praça. O homem encostou-se também fazendo um comentário sobre a beleza do local, visto que a mocinha também era turista. Aproveitou para fotografá-la com o Cristo ao fundo usando a máquina de seu celular. Ela sorriu feliz com seu batom vermelho para a foto, chamava-se Eduarda e estava ali esperando alguém chegar.
O homem era amável e galanteador, parecia entender de arte e ter viajado muito, Eduarda se sentiu cortejada. Coisa que algumas mulheres perderam a capacidade de sentir nos dias de hoje.Talvez porque vivem uma vida de não esperar mais que certas atitudes devam partir dos homens ou perderam a fé no amor, vai saber o que as pessoas pensam...
Domingos convidou Eduarda para um café, depois do segundo cigarro. Ela olhou para o lado, hesitante. Logo estão às gargalhadas e provocam alguns olhares aheios. Eduarda se cala e permite-se pensar em compostura. Logo Domingos percebe e pede que ela se livre de certos freios que a sociedade nos impõe. Eduarda vê grande sabedoria nas suas palavras, gostava de homens maduros e livres. Diferente dos homens com quem já havia estado, Domingos parecia seguro sobre o futuro, sobre o que tinha na vida, sobre a ideia de felicidade, leveza das coisas. Eduarda ficou encantada com a mente daquele homem e com o quanto poderia aprender com suas experiências, estava ali absorvida.
Domingos olhou pros olhos da moça e teve um pressentimento daqueles que tinha quando antevia uma encrenca.
Decidiu encerrar a conversa e pediu a conta. Disse que tinha de ir a um compromisso. Pagou os cafés e partiu.
Eduarda deixou as impressões sobre Domingos dominarem seus pensamentos. Pensou em sua falta de sorte.
Joana pediu licença para atender o telefone. Era seu namorado queixando-se de sua ausência. Guardou a câmera e sentou-se no banco da praça para convencê-lo de que era preciso passar um tempo com seu pai. André achou que ela estava fria demais. A discussão aumentou depois que Joana mencionou suas desconfianças. Joana virou o rosto e chorou no banco da praça, em frente a imagem do Cristo e à igreja colonial.
Joana pensou séria no amor. Nunca tinha sido tão sério assim. Precisava estar concentrada pra ser feliz, pra ter o que queria, chegar onde queria. André estava dando provas claras de que não pensava da mesma forma - Joana suspirou tomando seu sorvete de tiramissu.
Domingos aparece procurando Joana, dão-se os braços e falam das ruas, dos cafés, do passado, das enchentes de verão, de seus descompromissos. E foram assim cheios de risos por aí. Até o fim de tudo. Não importa nada, afinal, nada. Dizia ele...
29 de nov. de 2010
meio termo
O dia em que tive visita seguiu repleto de surpresa.
Girei o trinco e da porta me caiu a maçaneta.
Abri o pó de café e da lá levantou uma borboleta.
O susto que tomei me fez ficar refletindo,
Se saio de casa pra rua ou se fico aqui a varrer meu cantinho.
Se passo uma tinta no teto ou se vou atrás do meu caminho.
Se é pra ter um caminho ou só basta um dinheirinho.
Se mulher que fica em casa, não desabrocha
Se mulher que sai de casa vira rocha.
Girei o trinco e da porta me caiu a maçaneta.
Abri o pó de café e da lá levantou uma borboleta.
O susto que tomei me fez ficar refletindo,
Se saio de casa pra rua ou se fico aqui a varrer meu cantinho.
Se passo uma tinta no teto ou se vou atrás do meu caminho.
Se é pra ter um caminho ou só basta um dinheirinho.
Se mulher que fica em casa, não desabrocha
Se mulher que sai de casa vira rocha.
26 de set. de 2010
percepção e distoção - queridas amigas
Frequentemente entro num estado de percepção alheia em que me parecem todos estarem atuando numa cena ao meu redor.
Os objetos parecem colocados de propósito em seus lugares: os quadros pendurados nas paredes, estratégias de atenção visual. Uma conversa atrás de mim, uma frase emitida pela pessoa mais próxima se fixa no ar e parece assim meu ouvido tocá-la para dentro. Imagino o restante da frase e também a história inteira que sucedeu antes dela invadindo a vida do outro só pra mim, sem interesse real. Só pra tocar a campainha e sair correndo.
As expressões dos rostos marcam-se por linhas graves e distorcidas, cada sinal pessoal as transforma em personagens, caricaturas de bichos ou pessoas com traços deformados. Cada música explode ou acaricia o cérebro com suas notas no meu estado do dia. Chamam isso de stress, sensibilidade, as vezes...Eu não sei.
Sexta passada estive em um bar onde a banda que tocava tinha um saxofonista que me chamou a atenção. Pessoas empunhando instrumentos são sempre interessantes. Aparentam estar segurando um ser querido com respeito e carinho. Este homem devia pesar uns 47 quilos e o instrumento parecia desproporcional ao seu corpo. Ele se curvava para conseguir sustentá-lo e soprava os acordes de improviso, fazendo pausas para recobrar fôlego.
O fato mais cômico foi o de o homem fechar os olhos e olhar para cima como se estivesse em oração antes de soprar no bocal do sax.
Sem conseguir parar de rir, comecei a generalizar e rotular automaticamente cada um que estava no mesmo ambiente e anotar tudo no meu bloquinho: à equerda - casal que se conheceu em redes sociais, à direita - homem misantropo e muito mala, em frente - único homem com mullets e bigode sobre a face da terra...foi divertido e invariavelmente arrogante e sarcástico. Injusto e nada poético.
Difícil ser um ser puro e me livrar da ironia.
Já me disseram que ser irônico é uma forma de auto-defesa. Faz sentido me esforçar pra ser verdadeira, não faz?
Estou com dificuldades nisso...
Os objetos parecem colocados de propósito em seus lugares: os quadros pendurados nas paredes, estratégias de atenção visual. Uma conversa atrás de mim, uma frase emitida pela pessoa mais próxima se fixa no ar e parece assim meu ouvido tocá-la para dentro. Imagino o restante da frase e também a história inteira que sucedeu antes dela invadindo a vida do outro só pra mim, sem interesse real. Só pra tocar a campainha e sair correndo.
As expressões dos rostos marcam-se por linhas graves e distorcidas, cada sinal pessoal as transforma em personagens, caricaturas de bichos ou pessoas com traços deformados. Cada música explode ou acaricia o cérebro com suas notas no meu estado do dia. Chamam isso de stress, sensibilidade, as vezes...Eu não sei.
Sexta passada estive em um bar onde a banda que tocava tinha um saxofonista que me chamou a atenção. Pessoas empunhando instrumentos são sempre interessantes. Aparentam estar segurando um ser querido com respeito e carinho. Este homem devia pesar uns 47 quilos e o instrumento parecia desproporcional ao seu corpo. Ele se curvava para conseguir sustentá-lo e soprava os acordes de improviso, fazendo pausas para recobrar fôlego.
O fato mais cômico foi o de o homem fechar os olhos e olhar para cima como se estivesse em oração antes de soprar no bocal do sax.
Sem conseguir parar de rir, comecei a generalizar e rotular automaticamente cada um que estava no mesmo ambiente e anotar tudo no meu bloquinho: à equerda - casal que se conheceu em redes sociais, à direita - homem misantropo e muito mala, em frente - único homem com mullets e bigode sobre a face da terra...foi divertido e invariavelmente arrogante e sarcástico. Injusto e nada poético.
Difícil ser um ser puro e me livrar da ironia.
Já me disseram que ser irônico é uma forma de auto-defesa. Faz sentido me esforçar pra ser verdadeira, não faz?
Estou com dificuldades nisso...
21 de set. de 2010
Daqui de dentro, faz tempo
Fazer-me clara e objetiva em execícios diários como ordem unida. Marchar pela vida endireitando a vontade explícita e descarada de ser uma pervertida.
Minha consciência é uma âncora que prende o ego ao chão. Sem mais meios para fugir, o drama não mais pode sair de meus dedos para essa página, nem na fumaça dos cigarros que parei de tragar, tampouco ser aliviado por uns traguinhos casuais em algum botequim.
Na escola da vida dura (onde meu prezado Robert Crumb tentou estudar). Gente que chamei de babacas são hoje meus colegas. E não são babacas, são só gente. Eles comem bombons, gostam de rock e também têm tatuagens de ideogramas chineses sem serem chineses.
Estanquei a verborragia gratuita e os esboços de contos sobre gente que não conheço e invento em situações de auto-projeção.
Parei de fazer análise pois achei que sabia tanto sobre mim que virei objeto de entojo. Mal posso mais ouvir a minha voz a falar aleatoriedades porque me soa enjoativa e pausada demais. Sou uma reclamadora compulsiva de mim mesma.
Li num cartaz uma dia: "observar é absorver". Bonito. Agora eu olho, gosto, não gosto, comento. Vou a crítica para avaliar como posso melhorar, sabendo onde haverá a decepção amiga de sempre. O mundo é decepção, com algumas surpresas, se eu me mexer.
Minha consciência é uma âncora que prende o ego ao chão. Sem mais meios para fugir, o drama não mais pode sair de meus dedos para essa página, nem na fumaça dos cigarros que parei de tragar, tampouco ser aliviado por uns traguinhos casuais em algum botequim.
Na escola da vida dura (onde meu prezado Robert Crumb tentou estudar). Gente que chamei de babacas são hoje meus colegas. E não são babacas, são só gente. Eles comem bombons, gostam de rock e também têm tatuagens de ideogramas chineses sem serem chineses.
Estanquei a verborragia gratuita e os esboços de contos sobre gente que não conheço e invento em situações de auto-projeção.
Parei de fazer análise pois achei que sabia tanto sobre mim que virei objeto de entojo. Mal posso mais ouvir a minha voz a falar aleatoriedades porque me soa enjoativa e pausada demais. Sou uma reclamadora compulsiva de mim mesma.
Li num cartaz uma dia: "observar é absorver". Bonito. Agora eu olho, gosto, não gosto, comento. Vou a crítica para avaliar como posso melhorar, sabendo onde haverá a decepção amiga de sempre. O mundo é decepção, com algumas surpresas, se eu me mexer.
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